Dantes, Caxias era o Campo dos Bugres.
Assim eu começava uma crônica, décadas atrás, tentando escrever bem em português. Quem me fez perceber o ridículo foi o amigo Dramático, em um encontro do Quarteto Realista-Mágico:
“Dantes é plural de Dante?”, disse ele.
Foi a primeira vez que deparei com o conflito dantesco.
A segunda foi – também décadas atrás – quando eu trabalhava de servente de pedreiro, cavando com outro amigo um porão subterrâneo no Bela Vista. Ele, entre uma piconada e uma pitada num palheiro, falava de poesia enquanto ouvíamos comentários esportivos na Rádio Caxias. Em certa altura (para baixo, na escavação), ele falou que o Dante era conhecido mundialmente como o maior poeta italiano.
“O Dante?!”, disse eu, incrédulo.
“O Dante”, disse ele.
Sentindo minha ignorância pesar mais do que as pedras que removíamos da montanha caxiense, fiquei quieto.
E por vários anos aquela sentença – “O Dante é o maior poeta italiano” – retumbou em mim como os detritos da nossa obra que rolavam do Bela Vista para o Planalto. Foi só no Purgatório, também conhecido como Porto Alegre, que descobri, em outra aula de literatura, que o maior poeta italiano não era o Dante Andreis, comentarista esportivo da Rádio Caxias.
Aí fui ler o Alighieri. Dei até umas traduzidas na Comédia. Mas, sempre que ouço falar em Dante, o verso que me ecoa, mais do que “nel mezzo del camin”, é aquele octossílabo aliterante que eu ouvia na rádio: “futebol é bola na rede”.
Quando dei aula de literatura no Cristóvão de Mendoza, surgiu novamente o conflito dantesco. É que, para além do fato de ter existido ali do lado outra escola que homenageava, no nome, o ex-prefeito Dante Marcucci, havia no Cristóvão um professor chamado Dante. Nas reuniões pedagógicas, eu nunca sabia se as colegas estavam reclamando do fechamento da escola Dante, do ex-prefeito Dante, do professor Dante ou do maior poeta italiano.
Hoje entendo que o ridículo de usar a palavra “dantes” está no pleonasmo. Afinal, Dante é um nome plural em si, cheio de referências icônicas. E sou muito a favor da propagação de Dantes. A toda amiga que aparece grávida, eu digo:
“Chama de Dante”!
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
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