Uma vez o Dalton Trevisan disse que, desde que a mulher dele tinha morrido, ele só lia e relia Machado de Assis.
É como dizer que não lhe interessava a literatura feita depois de 1908. Ou é como dizer que ele se posicionava contemporaneamente (sentimentalmente) no século XIX. E é como dizer que ele não se interessava pela literatura traduzida, nem a dos russos do século XIX. E tampouco se interessava pela literatura em português brasileiro, já que o Machado de Assis, se tu for ver, escrevia em português de Portugal.
Isso do Dalton só ler e reler Machado de Assis depois que ficou viúvo é também como dizer que só a literatura que a gente gosta nos serve, nos salva, quando nada mais nos importa.
Nisso, o Dalton era que nem um leitor amigo meu, o Tairone, que um dia descobriu que os russos que ele admirava eram traduzidos do francês, e que na tradução para o francês o pessoal dava umas aliviadas no peso dos russos pra obra ficar mais vendável.
Ficou indignado, meu amigo Tairone, daí só ficava lendo Lobo Antunes. Dizia que nunca mais ia ler tradução, mas pelo menos tinha essa abertura para os lusitanos, para os africanos, e tinha esperança de aprender espanhol pra poder ler Onetti.
Eu quis ser tradutor pra que um leitor febril que nem o Tairone não precisasse rasgar os livros que, no interior, a gente demorava anos pra encontrar e depois descobria que eram fraudes tradutórias.
O Dalton Trevisan e o Tairone são do Paraná, me dei conta agora. A última notícia que tive do meu amigo era que ele tinha comprado uma moto dessas de corrida que o cara vai deitado de bruços em cima.
Pra tu ver o trauma de uma tradução fajuta.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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