Era janeiro de 2011. Uma Martina, de 4 anos, discava para a cegonha. Sim! A cegonha realizaria seu desejo: uma irmã. Em princípio, ficaria contente se viesse um menino ou uma menina. Depois, achou importante que viesse uma Lívia. Misteriosamente, do outro lado da linha, uma cegonha – Deus sabe quem atendeu a tal ligação – dava sua resposta a esse pedido extraordinário. Em novembro, Martina tinha Lívia.
Sempre me pergunto o quão forte podem ser os laços fraternos. O amor que conecta, que enlaça pessoas durante uma vida toda. Somos movidos por esse sentimento, por vínculos. Mário Sérgio Cortella afirma que ser humano é ser junto. Portanto, temos a necessidade de estarmos com quem amamos. Em tempos de coronavírus, do que mais sentimos é a falta de vivermos em comunidade e, principalmente, em família.
Sinto diariamente saudade de minhas irmãs – de sangue e de laços espirituais. Carpinejar, em uma belíssima crônica, dizia que família vem de laços espirituais, família é chegada; família é uma turma de sobreviventes, de eleitos, que enfrentam o mundo em nossa trincheira e jamais mudam de lado. Hoje, nesse momento assustador que estamos vivendo, a ausência da família é sentida, é doída.
Aí a gente cede um minuto aos pensamentos: poxa!! Estávamos todos juntos, na praia, vivendo as alegrias do Natal e do Ano-Novo em partilha. De repente, as coisas mudam. E não temos controle sobre elas.
Bate em meu peito a nostalgia dos momentos vividos com minhas irmãs. Saudade da conversa, das risadas, dos brindes à beira-mar, das horas cozinhando juntas... O que alegra é ver, aqui por casa, as manas em sintonia. Por vezes, uma quer o Sol... a outra, a Lua; em outras ocasiões, basta A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga, para vê-las grudadinhas. Penso que irmãos vivem entre tapas e beijos, como minha mãe ainda diz.
Tenho em minha memória, muito vívida, a lembrança de uma tarde: eu, minha irmã e uma prima brincávamos de nave espacial. Uma por vez entrava num guarda-roupa antigo, de duas portas, enquanto as outras duas chaveavam e balançavam aquele móvel, fantasiando uma viagem ao espaço. Tudo certo... muita diversão... eis que chega a minha vez! E lá se foi uma tarde trancada!! Hoje, a saudade bate tanto... que até perdoo as horas trancafiadas.
Isso se chama saudade. Esse período de confinamento nos faz pensar, nas palavras de minha outra irmã, via whatsapp: precisamos nos acostumar a viver com menos, não falo só de menos dinheiro, mas de eletrônicos, de tudo o que é superficial, tudo o que nos afasta de quem está ao nosso lado. Que sempre possamos sentir saudade, porque ela pode, muitas vezes, nos trazer de volta ao que é essencial, a família – e aquela das palavras de Carpinejar: as pessoas que mais amo no decorrer da minha existência formarão a minha família, mesmo que não tenham nada a ver com o meu sobrenome.
Roberta Debaco Tomé é professora de língua portuguesa e literatura
e-mail: robertadebacotome@gmail.com