João Cabral de Melo Neto, em sua “Psicologia da Composição”, que estamos lendo, escreveu no poema de número VII:
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.
[...]
É mineral, por fim,
qualquer livro;
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita.
Então, para quem acha que escrever poesia é expressar suas emoções, ainda está dentro da concepção de poesia do século XIX. Se alguém quiser fazer poesia tem de lidar com as palavras. Então, a poesia virou um jogo verbal? Também. Ela vai se transformar em puro jogo verbal no Concretismo. A lição de João Cabral vai ser levada ao extremo de se tornar uma heresia, uma teoria herética, que levou a uma crise geral da poesia.
Mas a lição de João Cabral permanece. Ninguém hoje pode escrever poesia sem ter consciência de que está montando palavras: extrai palavras do minério verbal e monta uma pequena armadilha, ou uma pequena máquina para comover.
Hoje, ninguém pode fazer de conta que o poema é um balaio de emoções. Quando escrevo um poema louvando o vinho, como em Mapa de Viagem, não é para dizer da minha emoção em beber vinho, mas para dar ao leitor uma sinalização verbal sobre tudo o que pode estar oculto nele, desde a raiz da videira até a coroa final do aroma:
O vinho se faz de um pouco
de gosto seco de terra
de gosto verde de seiva
e um pouco
de gosto de mel ensolarado
em fina nuvem suspensos
no céu morno da boca.
Portanto, escrever um poema é montar palavras, de tal forma que provoque em quem o leia uma sensação de surpresa, de alegria, ou até de uma lágrima nos olhos! A poética é, na realidade, um conjunto de regras, elaborado pelo autor. Não há uma única poética para todos. O modernismo acabou com isso. Agora, cada um constrói seu conjunto de regras.
Resta, no entanto, um problema: há poetas que têm mais habilidade e outros que deixam o telhado caindo, por falta de alguma peça, numa falha de engenharia. Escrever poesia é uma coisa que se aprende, sim. Como há pessoas que têm mais habilidade em tocar um instrumento musical, fazendo exercícios, também na poesia pode-se chegar a uma boa música treinando o como lidar com palavras.
Para mostrar um pouco de meu aprendizado, tomo a liberdade de citar aqui uma receita minha, publicada inicialmente no livro no livro Meridiano e que foi premiada com este comentário do mestre Donaldo Schüler:
“Agredindo a poética dos signos, que antepõe os significantes aos significados, e crendo no poder criador de palavras sugestivas, o poeta denuncia a eficácia do poema reduzido a artefato ao gosto dos concretistas. Arremata:
Dos exemplos, colhe-se o conceito:
Você casa palavras
descose palavras
e em imagem e figura
você muda o mundo
(ou ao menos faz seu poema)
O ironista arrasa com a alternativa, a pretensão do poeta de alterar o mundo. Surge uma poética antimallarmaica para resgatar o corpo com seus humores e sentimentos do jugo que a disciplina poemática lhe impôs”.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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