Stanislaw é um polaco muito simpático. Nos conhecemos no Congresso de Futurologia, na mesa-redonda sobre a impossibilidade de os humanos perceberem qualquer outra forma de vida que não seja esta, minúscula, humano-terrestre. Que, de resto, já é suficientemente infinita, como qualquer ignorância.
Depois, no coffee-break, me barraram a entrada porque eu estava sem a fita de Moebius no pulso. Aí o Stanislaw apareceu com uma garrafa de Klein e fomos beber na pracinha.
Era uma tarde nublada, de atmosfera densa. Entre um gole e outro, formávamos bolinhas de ar para petiscar. Stanislaw me contou que estava escrevendo um romance chamado Solaris desde a última vez em que nos tínhamos visto, ocasião em que ele estava escrevendo um romance chamado Solaris. Confessei que tinha começado a ler A Voz do Mestre, mas parei no começo, aborrecido com a conversa do matemático. Ele prometeu que mudaria isso, depois que terminasse de escrever Solaris.
Esse eu tinha lido com gosto, falei. Quem me indicou foi o Tarkovski, falei. Stanislaw revelou que não assistira a nenhuma das versões cinematográficas do romance para não sofrer influência no processo criativo.
Perguntou-me o que eu estava escrevendo. Respondi que esta crônica. Ele quis saber também se ainda faziam fregolá em Caxias, respondi que sim, esses dias encontrei numa padaria, mas tinham colocado açúcar refinado por cima. Uma tragédia, disse ele. Uma tragédia, disse eu.
O segurança apareceu que não podíamos beber na pracinha. Tentamos argumentar, provando que a garrafa de Klein continuava cheia, embora já a tivéssemos esvaziado diversas vezes. Por fim venceu a preguiça. Stanislaw foi para o quarto escrever seu romance. Eu fui no banheiro.
Depois nos cruzamos algumas vezes na escada de Penrose, onde Escher estava desenhando a própria mão com a própria mão que ele estava desenhando. Tropeçamos nele, que piscou e teve que recomeçar do fim, pois recém havia terminado o início.
No happy hour, conheci uma polaca que sabia pronunciar direitinho éles atravessados por til, consoantes com acento agudo e vogais com cedilha. Mas no dia seguinte ela havia desaparecido e a polícia tinha cercado o prédio. Esqueci como se fala Stanislaw Lem.
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
Do mesmo autor, leia outro texto AQUI