Lockdown é o termo em inglês que significa prática e literalmente trancar-se (em casa). Em 1º de março de 2020, confirmava-se o primeiro caso de Covid-19 na cidade de Nova York. Certamente o viajante chegado do Irã não foi o único a trazer consigo o vírus. A cidade de Nova York é servida por três aeroportos de grande circulação de passageiros: JFK e Newark, com voos para diversos destinos ao redor do mundo, e o LaGuardia, com pontes aéreas internacionais para Montreal e Toronto, no Canadá.
Passaram-se duas semanas e centenas de milhares de pessoas continuaram a passar pelo complexo e abrangente sistema de metrô da cidade. Mesmo após a adoção do Lockdown, o número de casos confirmados de contaminação pelo Covid-19 no estado de Nova York saltou de 2.480 para mais de 8.000, em questão de dois dias – sendo que são testadas somente pessoas que apresentem sintomas.
A Região Metropolitana da cidade de Nova York estende-se a estados vizinhos: Connecticut e New Jersey, o que denomina-se TriState Area. Moro e trabalho no menos afetado dos três até agora, Connecticut, com 223 casos confirmados até o momento em que escrevo este relato, dia 22 de março. De qualquer forma, as medidas tomadas pelas autoridades no epicentro da pandemia nos Estados Unidos impactam na vida dos habitantes daqui, especialmente daqueles que diariamente se deslocavam de trem ou carro para trabalhar em Manhattan.
A maior densidade de casos confirmados de Covid-19 encontra-se no condado de Westchester (no estado de Nova York): 14,3 casos para cada 10.000 habitantes. O condado de Westchester faz divisa com o condado de Fairfield, no estado de Connecticut, onde entre outros tantos como eu também moram notáveis como Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, e onde recentemente Gisele Bündchen adquiriu uma mansão. Na cidade de New Rochelle-NY, um advogado de 50 anos de idade que trabalhava nas proximidades da Grand Central (estação de trem no centro da cidade de Nova York) foi testado positivo no dia 2 de março, cinco dias depois já havia 50 casos rastreados com ligação a ele, dos 1.387 casos confirmados no condado de Westchester (população de 967.612).
Antes de decretar-se o lockdown, seguindo o exemplo das medidas tomadas em New Rochelle, estendeu-se a outras cidades da região a determinação de que o início das férias escolares seria antecipado. E, então, os jovens se viram literalmente de férias e não ficaram em casa, ainda mais que as condições climáticas estavam convidando a sair e encontrar os amigos. Não tenho condições de avaliar se isto foi fator decisivo para o alastramento do contágio, mas demonstra como as pessoas podem reagir de formas diferentes ao enfrentar uma mesma realidade, e que cada ação traz consigo sua consequência. No outro extremo temos as pessoas que já na sexta-feira, 13, compraram todo o papel higiênico disponível nos supermercados, estes, mais apavorados, creio tenham transformado suas casas em bunkers e nelas se trancado - podem pecar pela falta de senso de coletividade por um lado, mas pelo menos não estão espalhando nem contraindo o vírus - lockdown voluntário.
A semana que se iniciou em 16 de março já apresentava as estações e trens vazios, pois as pessoas estavam procurando evitar a aglomeração no transporte público. Engarrafaram-se assim ainda mais as estradas. Ao longo da semana, à medida em que as pessoas iam sendo determinadas a trabalhar em casa, o previsível esvaziamento das estradas tornava-se evidente.
No início da última semana, os restaurantes aqui em Connecticut foram proibidos de servir comida à mesa para seus clientes, as operações resumiram-se a tele-entrega e comida to go/takeout (para levar). As medidas de restrição do contato social estão mantendo sob relativo controle o crescimento do número de casos confirmados no estado de Connecticut. Em 21 de março eram 194 casos, confirmando que, enquanto não houver vacina, o fator humano é a única variável disponível e realmente faz a diferença.
Atualmente, é permitido o funcionamento somente de estabelecimentos considerados essenciais, tais como hospitais, clínicas, farmácias, supermercados, restaurantes e postos de gasolina. Funcionários remunerados por hora trabalhada já sabem que os próximos dias serão duros.
Os desafios do momento não se resumem somente à força-tarefa dos profissionais da saúde, há também o desafio logístico e de abastecimento: os kits de teste para coronavírus precisam ser fabricados e entregues, o mesmo ocorre com máscaras de proteção, álcool gel e alimentos. As matérias-primas e mão de obra precisam chegar até as fábricas e os produtos acabados precisam ser entregues aos consumidores. Da mesma forma como encara-se o fornecimento de água tratada, energia elétrica, gás.
O Brasil para num momento prudente: sem o choque não haveria a conscientização necessária, de que não se trata de férias para passear, da mesma forma equivocada que os adolescentes americanos entenderam. Para conhecer a extensão do contágio é preciso congelar o momento, conhecer o número de casos em cada cidade brasileira e assim planejar a retomada das atividades, conforme cada caso.
E aí que se destaca a importância de cidades industriais: para que não haja fome, os grãos plantados no Centro-Oeste brasileiro precisam de implementos agrícolas para serem colhidos e implementos rodoviários para que cheguem ao destino (como ração para frangos e porcos, por exemplo), e tais implementos precisam de componentes manufaturados em cidades como Caxias do Sul.
Aqui ao lado, na cidade de Nova York, bastaram duas semanas para que se perdesse o controle, e no momento parece impossível planejar a retomada da “normalidade”. É muito difícil estimar uma data enquanto o número de casos confirmados continuar a crescer, exponencialmente.
Que Deus ilumine a consciência das autoridades, eleitas ou não, a fim de que sejam equilibradas as decisões a serem tomadas em momentos tão delicados como o atual.
P.S. Às 16h deste domingo, 22 de março de 2020, já eram 22.717 os casos confirmados no estado de Nova York, 12.883 somente na cidade de Nova York.
Felipe Atti dos Santos é natural de Caxias do Sul, engenheiro mecânico formado na UCS. Reside na Região Metropolitana de Nova York desde maio de 2019, onde trabalha como engenheiro de aplicação na filial americana da empresa KraftPowercon.
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