A partir de hoje eu também faço parte, meio brabo, do bravo povo brasileiro. O cara do IBGE acaba de passar aqui em casa.
Fiquei decepcionado. Ele só perguntou meu nome, e-mail, telefone e CPF, dados que qualquer loja de material de construção poderia informar em meu lugar. Tá, ele perguntou minha idade e minha cor, e o fez com certa solenidade. Quis saber também, en passant, se sei ler e escrever, mas não especificou em qual língua. E o que será que ele quis dizer com “quantos banheiros tem na tua casa?”. Eu achava mais importante dizer que a casa não era minha. Ou que, apesar de ter apenas um banheiro, ele é um ótimo lugar para ler, inclusive textos de geografia.
Acho que é o Drummond que tem uma crônica sobre o Censo. Li na infância. No texto, Drummond ou narrador parecido entrava em reflexões metafísicas sobre a passagem do tempo, lembrava o que havia feito na vida entre uma recensão e outra. Desde que li aquela crônica, aguardei chegar a minha vez, na esperança de também ser capaz de fazer reflexões profundas.
Não sei onde eu estava nos últimos Censos. Desculpa, Brasil, se não te respondi antes. Vou ter de esperar mais uns dez anos para conferir se sinto saudade deste. Agora, só me ocorre a frustração quanto à forma da entrevista. Responder o valor do meu salário mínimo não teve graça nenhuma.
Devo ter tido azar. O método estatístico utilizado no Censo prevê que os recenseadores façam mil entrevistas básicas e, aleatoriamente, uma entrevista detalhada. Aí sim devem vir as questões interessantes sobre se tivemos ou não oportunidade de fazer novos brasileirinhos, se somos ou não nativos desta cidade de inverno interminável, se acreditamos ou não na existência de Nosso Senhor ou em senhores em geral. A coisa mais transcendental que precisei informar foi se eu estava satisfeito com a coleta de lixo. Falei que sim. Afinal de contas, eu boto fora uma sacola de papéis por semana e, enquanto sonho novos papéis, ela desaparece.
Bobagem minha esperar poesia da geografia. Em rima, ainda por cima. Mas fica a dica. Um Censo Literário, organizado pela Academia Brasileira de Letras, algo assim, com perguntas do tipo “se esta rua fosse tua, tu mandava ladrilhar ou mandava ela brilhar?” Estou à disposição para ajudar a elaborar o formulário.
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
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