Caxias do Sul 22/11/2024

Carro zero km também precisa de reparo

Todos os veículos que ainda não saíram da concessionária requerem reparos de pintura, feitos na própria fábrica
Produzido por Luiz Carlos Secco, 17/10/2022 às 08:39:52
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Assim como o padrão de exigência dos consumidores, é inegável a contínua evolução que a indústria automobilística vem apresentando em qualidade nas últimas décadas.

Os costumeiros defeitos e falhas que passavam durante o processo de produção e acabavam descobertos pelos proprietários de veículos novos são cada dia mais raros. As montadoras investiram (e continuam investindo) muito em processos produtivos para alcançar a quase perfeição e assegurar a satisfação do cliente.

Sabem aquela máxima, faça certo da primeira vez? É justamente isso. Quanto menos falhas, mais qualidade com menor custo e retrabalho. Essa quase perfeição ainda não foi alcançada e, apesar de os veículos novos chegaram às concessionárias cada dia com menos defeitos ou falhas, ao longo da produção muita coisa acontece que o proprietário de um veículo zero km nem imagina.

Uma dessas realidades é o fato de que, ainda hoje, não existe carro zero km sem reparos de pintura. Isso mesmo, todos os veículos zero km e que ainda nem saíram da concessionária têm reparos de pintura, feitos antes de saírem da fábrica. Consegue imaginar que, antes mesmo de você colocar o seu carro novinho na garagem, ele já recebeu, em média, 15 reparos na pintura? Difícil de acreditar.

A verdade é que todos os automóveis ainda na linha de montagem passam por uma inspeção de pintura e, nos melhores casos, são detectados 15 pontos que demandam reparos na pintura, por automóvel. Alguns são quase imperceptíveis, inferiores a 1mm, mas para os cada vez mais rigorosos padrões de qualidade, precisam ser corrigidos. E isso não acorre somente na pintura, mas em diferentes processos ao longo da linha de produção e montagem, como na estrutura e no acoplamento dos sistemas e componentes.

Isso me faz lembrar de um episódio que aconteceu com o meu filho José Carlos que, em 2005, adquiriu um automóvel Passat novo em uma concessionária autorizada e, antes de completar mil quilômetros, descobriu uma falha na pintura na tampa traseira do porta-malas. Inconformado (por ser um veículo zero e importado, produzido na Alemanha), ele procurou a concessionária que disse não ter feito reparos no veículo em momento algum. Era um quase imperceptível relevo na pintura, como se tivesse escorrido tinta por excesso no momento da pintura.Ele acionou a Volkswagen, que recolheu o carro para averiguação e correção.

Até hoje não sabemos o que foi feito, mas o veículo voltou sem a falha e acreditamos que a tampa traseira foi trocada pela de outro veículo novo que estava no pátio. Essa decepção de ver o seu carro novinho maculado também aconteceu comigo em 1972. Eu havia acabado de comprar um Dodge Dart V8 verde metálico e estacionei o veículo na porta de casa. De repente, um garrafeiro passou puxando o seu carrinho e riscou a lateral do Dodge. Quando vi, fiquei muito chateado e perdi a paixão pelo carro, pois havia sido danificado e precisou de reparo na porta direita. Tanto que, assim que pude, troquei por um outro novo, “sem reparos”.

Se soubesse o que descobri recentemente sobre os reparos de pintura que os veículos sofrem antes de chegar à concessionária, talvez não tivesse me incomodado tanto e teria curtido mais o Dodge Dart verde. É verdade que, naquela época, os reparos de pintura feitos nas concessionárias tinham qualidade bem inferior porque os equipamentos eram bem menos evoluídos e sequer sonhávamos com robôs executando a pintura, presente hoje em 100% das montadoras.

Mas voltando aos dias atuais, essa questão de pintura continua sendo um dos gargalos das montadoras de veículos e elas mantêm equipes de técnicos altamente treinados para verificar, veículo a veículo, possíveis falhas que, uma vez detectadas, demandam o reparo, feito por outras equipes de profissionais. Tudo isso custa muito dinheiro, exige o envolvimento de dezenas pessoas nas tarefas e reduz a eficiência da operação.

Na permanente busca pela melhoria dos índices de qualidade, algumas empresas desenvolveram modernos equipamentos, que automatizam tanto a fase de inspeção e análise dos defeitos de pintura, como a dos reparos, que, por sua vez, são executados por robôs. Em ambos os casos, se emprega Inteligência Artificial (IA), uma novidade no setor.

Isso torna todo o processo mais eficiente, o que otimiza o processo de produção, mas tem um custo ainda elevado. O investimento nessa automação pode atingir a casa das dezenas de milhões de reais para ser instalado na linha de montagem, dependendo de sua complexidade e dimensões. Para detectar e corrigir os defeitos de pintura e garantir que os veículos não sejam enviados para as concessionárias com falhas, esses sistemas automatizam essa importante etapa final do processo de fabricação.

Por intermédio de um sistema eletrônico de visão, robôs são capazes de localizar defeitos com precisão, determinar qual o tipo, dimensões e localização precisa e fazer os reparos necessários, mesmo em locais de difícil acesso, como seções internas e batentes de portas. Os defeitos mais comuns são sujeira, “casca de laranja”, pipoca (saliência), arranhão e gotas. E a taxa de detecção chega a 99%, utilizando algoritmos de agrupamento e tecnologia de campo claro/escuro. Para os defeitos maiores, continuará a ser necessário o reparo por um operador.

Com toda essa complexidade e mesmo com toda a evolução tecnológica já alcançada, os defeitos de pintura continuarão a existir, pelo menos por enquanto.

Mas isso, no fundo, não muda a minha paixão pelos automóveis e também não deveria mudar a sua, pois, com reparos de pintura ainda na linha de montagem ou não, sentar e poder desfrutar do prazer (e até do cheirinho) de um carro novo supera qualquer conhecimento técnico.

Afinal, vale também aquela máxima: o que os olhos não veem, o coração não sente!

Luiz Carlos Secco trabalhou, de 1961 até 1974, nos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.

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