A questão seria: para quem? Para o outro ou para si? O que é ser bonzinho demais?
Aprendemos a falar, a andar, e a ser bonzinho demais também, e assim seguimos. A criança boazinha demais vira adolescente bonzinho e segue assim na vida adulta se não tem uma nova formatação, um entendimento diferente, uma compreensão que o faz questionar o vivido. Também se não aprendeu a ser justo acima do bom e do mau.
Bonzinho demais para quem? Para os pais, avós, tios, primos, amigos, vizinhos e lá vai para todos... Ninguém se preocupa com ela, pois ela é a boazinha demais... É ela quem resolve tudo pra todos, menos para si, pois nem se enxerga...
Ama profundamente às avessas de si mesmo. Sim, coloca o outro acima de qualquer coisa da sua vida. Alguns têm a preferência de serem colocados nesse lugar e se esquecem completamente de si e das pessoas, assim como eles não conseguem verbalizar que desejam ser olhados.
Ela pouco fala, pois não sobrecarrega ninguém com seus sentimentos, congela suas dores, põe embaixo do tapete, não enxerga, pois o importante são os outros, os sentimentos dos outros... o que eles pensam e sentem... isso sim é relevante!
Ela própria esquece de si, sofre no silêncio, por estar sozinha, por ninguém olhar para ela. Isso quando começa a se enxergar como alguém com um pouco de valor; ali consegue perceber que sofre... E compreende que trata diferente do que é tratada e, acima de tudo, alimenta o jeito que lhe tratam...
E mais, se preocupa excessivamente em agradar os outros... vejo adultos assim, querendo agradar o “inagradável”, não desejando desapontar ninguém. Carregam, assim, um peso enorme em função do outro. Isso me remete a olhar para uma vida toda tentando contentar quem não lhe compete - não é seu papel... Sentir-se confortável está dentro de si, como você quer, de fora, fazer esse papel? É um peso muito grande para carregar.
A difícil lição de ser justo ficou para trás, não sabida, não aprendida. E esta faz uma diferença enorme na sua vida e na do outro que está ali, sendo bajulado também. Pois ele pode gostar desse lugar em que é colocado, e o limite necessita ser implantado. Os dois necessitam aprender uma nova maneira de viver, com respeito e autonomia – pelo outro e, principalmente, por si mesmo.
Se você foi, é – continua sendo um adulto com a criança boazinha fincada dentro de si, minha pergunta é para você: quando você vai se enxergar, reconhecer suas próprias necessidades, aprender a ser justo e, em função disso, se permitir decepcionar o outro?
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.
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