Caxias do Sul 22/11/2024

Beth Harmon e a envolvente coreografia do xadrez

Personagem ficcional apaixona até quem desconhece os meandros desse fascinante jogo
Produzido por Eulália Isabel Coelho, 29/11/2020 às 08:57:50
Foto: LUIZ CARLOS ERBES

Por Eulália Isabel Coelho

Dieguito se foi. Genial e controverso, como costumam ser os gênios em sua arte. A dele, nos gramados, com magníficas criações. O fenômeno artístico em sua magia futebolística encantava inclusive quem não é afeito ao esporte. Como disse o cineasta Ugo Giorgette, colunista de O Estadão: “(..) o futebol era sua vida. Não uma coisa importante na sua vida, não uma coisa fundamental, mas a própria vida em sua totalidade”.

Beth Harmon, da série O Gambito da Rainha, tem no xadrez a totalidade de sua vida. Sem jogar e, principalmente, sem vencer, tudo perde o sentido. Repousa, nessa fictícia personagem, a mesma ânsia, talento e tropeços de Don Diego, inclusive no abuso de drogas e álcool.

A partida do “Deus” do futebol argentino me fez repensar a história dessa jovem protagonista, interpretada por Isla Johnston na infância e por Anya Taylor-Joy (A Bruxa) na adolescência e idade adulta.

Harmon joga xadrez até os ossos. Os gênios têm disso, levar as coisas à sua dimensão mais profunda, muitas vezes dolorosa. Ela o faz para se tornar a maior enxadrista de seu tempo. A série, com sete capítulos, se passa nos anos 1950/1960 e é baseada no livro homônimo de Walter Tevis, escrito em 1983.

Harmon descobre o xadrez aos nove anos, no orfanato em que vive. Aprende a jogar intuitivamente com Mr. Shaibel (Bill Camp), zelador do local que logo percebe nela um prodígio. Beth cresce envolvida com o tabuleiro, ensaiando jogadas complexas, com domínio e precisão em graus obsessivos.

Beth aprende xadrez no porão com Mr. Shaibel

Torneios seguidos dimensionam o talento de Harmon

Ela participa de torneios, após ser adotada por um casal disfuncional, em busca de um dia receber o título de Grande Mestre. A mãe adotiva tem um papel fundamental na vida de Harmon, dedicando-se a acompanhá-la nas viagens e torneios. Uma nutre pela outra um afeto crescente que corre por baixo do drama e dos traumas passados por Beth.

Ela é uma sobrevivente em todos os sentidos e cabe-lhe superar os entraves do caminho com uma determinação desmedida. Mas essa trajetória não é plena sem a jornada da heroína que precisa vencer os obstáculos para, através deles, crescer em maturidade e estatura. Beth Harmon ficará na sua memória como uma personagem entregue à vida através do tabuleiro de xadrez. Ela precisa dele para existir. Ela precisa dele para ser.

Se você não joga xadrez, o meu caso, nem entende nada das regras e movimentos, não fuja, Harmon irá conquistá-lo. Ela, seus adversários de torneio, as situações vividas, as vitórias e as derrotas, tudo soma para ampliar nossa visão sobre esse esporte. A extraordinária garota não titubeia, não gosta de meio-termo, ela quer tudo, como o fazia Don Diego e, como ele, ela conquista.

Com Alma, sua mãe adotiva, incentivo

Harmon entregue a vícios em fase complicada

Assista ao trailer da série AQUI

Prática e estudo para vencer as partidas

FICHA TÉCNICA

O Gambito da Rainha, EUA, 2020

Criação e roteiro: Scott Frank e Allan Scott

Direção: Scott Frank

Gênero: Drama

Duração: 393 minutos (em 7 episódios)

Elenco: Anya Taylor-Joy, Thomas Brodie-Sangster, Harry Melling, Moses Ingram, Marielle Heller,

Jacob Fortune-Lloyd e Bill Camp.

DE OLHO NO SET

Durante as filmagens, o famoso enxadrista russo Garry Kasparov e o renomado professor de xadrez norte-americano Bruce Pandolfini foram os consultores que treinaram o cast para as cenas dos jogos. Todas as partidas são reais!

A série é uma das mais bem produzidas pela Netflix, impecável em seu acabamento. Fotografia, maquiagem figurino, atuações, ambientação, tudo tem brilho e refinamento.

A cada capítulo, Beth rompe as barreiras de gênero no xadrez, até então, domínio masculino, para tornar-se, enfim Grande Mestre. Na vida real, das 1.928 pessoas que receberam o título, apenas 37 são mulheres.

A atriz usou sua experiência de bailarina para compor o modo como Beth move as peças no tabuleiro, com leveza, coreograficamente.

Anya conta que ficou apaixonada pela personagem e pela história ao ler o livro. Quando foi encontrar o criador da série, Scott Frank, foi logo dizendo: “Não se trata apenas de xadrez! E ela precisa ser ruiva!”. Ele respondeu: “Eu concordo! Sente-se, vamos discutir sobre isso!”.

A figurinista Gabriele Binger incorporou as “linhas do tabuleiro de xadrez” ao guarda-roupa de Beth.

No figurino é possível perceber referências aos estilos de Jackie Kennedy, Audrey Hepburn e Grace Kelly, ícones da moda nas décadas de 50/60.

A maquiagem usada por Anya foi cuidadosamente escolhida para moldar os vários momentos de sua vida, como as sombras e as diferentes cores de batons.

O livro de Walter Tevis inicialmente seria um filme nas mãos de Heath Ledger (o Coringa de O Cavaleiro das Trevas), que faleceu em 2008. Além de atuar, ele adorava xadrez.

Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora

mail bibacoelho10@gmail.com

Da mesma autora, leia outro texto AQUI