Caxias do Sul 26/11/2024

Atravessei meu deserto

Cada um de nós faz essa importante travessia do seu jeito, com os recursos que tem
Produzido por Neusa Picolli Fante, 06/11/2022 às 09:10:27
Foto: Morgane Coloda

Só assim me construí mais forte, com um sorriso entre os lábios que vem de dentro – quebrando qualquer resistência.

Só assim ampliei meu olhar... olhei pra dentro e pra fora, e pude me/te alcançar, e a tudo integrar.

Todos nós, em certo momento da nossa vida, atravessamos o nosso deserto... Solitariamente, de cabeça baixa, olhos a acompanhar o chão, buscando a coragem de um novo recomeçar – invadidos por lembranças (que fazem o peito estalar) -, nos encontramos, resgatando a força e a direção, principalmente percebendo as conexões acontecerem.

Existem os que atravessam seu deserto amargurados – com tanta amargura que não conseguem olhar, nem pra fora, nem pra dentro, e ver o brilho dessa jornada. Outros, com a força da vida, sabendo que este momento vai se desintegrar, formando uma nova maneira de ressignificar - andam.

Há os que atravessam nem pisando no chão, de cabeça erguida, não na humildade, mas na contramão.

O fato é que cada um de nós atravessa o seu deserto, do seu jeito, com os recursos que tem. Ou, com como conseguiu se restituir dos solavancos da vida... Atravessa seu deserto à sua maneira – pois ele é só seu. Busca infinita por se encontrar.

No meu deserto tem chão quente, vento frio, palavra ausente, sentimento amorfo – fico sem ar para respirar... Fiquei mais forte, enxerguei além, porque atravessei o meu deserto...

Encontrei muitas pessoas pela vida, que também atravessaram seu deserto. Via-as no exato momento em que o atravessavam... Me inebriei com o subir do ser nessa nova jornada... Aplaudi a sua transformação.

Me detive um pouco mais nesse olhar... Muitos percebi que se fortificaram. Embora obtivessem respostas no momento exato desse exílio de descompensação. Sim, num primeiro momento, a dor é tanta que só o lamentar se escuta... Fiquei ali a acompanhar o vazio que se apresentava, e pude perceber a ressignificação da vida que se instalava.

Dei a mão para outros tantos, nas sombras que os amedrontavam. Eu também tive a mão de algumas pessoas ao atravessar o meu desabitado momento. Só assim pude me resgatar. Só assim auxiliei o outro a se encontrar, a achar o caminho desse novo estar...

Degrau após degrau, num novo sentir, ele/eu nos encontrávamos. Da ladeira do penhasco atravessamos o nosso deserto...

Ao atravessar meu deserto fui avisada de coisas que meu “eu” dormindo não percebia. Na plenitude daquele momento, um novo estágio de consciência se construía...

Atravessei o meu deserto, ali o “eu” que existia não se encontra. Presa na incompletude de quem eu era, secaram-se as raízes que se mantinham. Banida de vida, procurei a mudança de consciência da vida, que pouco a pouco ali se instalou.

Eu fui. Não tenha medo de atravessar o seu deserto... Afinal, ele é só seu, e você é capaz!

Você se surpreenderá com o desfecho da jornada. Passe por dentro, passe devagar. Alimente seu dia, que o deserto se desmanchará...

Pessoas de luz, com brilho próprio, andaram em seu deserto, sozinhas, mas não solitárias; tristes, mas com a esperança palpitando dentro de si...

Você se surpreenderá com o desfecho da jornada.

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.

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