Caxias do Sul 23/11/2024

As consequências da sobrecarga de informação

Fadiga de consentimento é um dos males modernos que afligem o usuário de tecnologia
Produzido por Ciane Meneguzzi Pistorello , 15/11/2022 às 08:40:07
Foto: ARQUIVO PESSOAL

É constatado: o usuário da tecnologia sofre de fadiga do consentimento. E isso é consequência da sobrecarga informacional, fato que afastada o verdadeiro engajamento do consumidor.

Pois é, a sobrecarga informacional gera consequências e efeitos sinistros para os usuários, afastando, por vezes, o verdadeiro interesse individual e, dessa forma, retirando a verdade do engajamento online, eis que, por vezes, a quantidade excessiva de informações retira a autonomia sobre a decisão de consentir. Nesse aspecto, ainda há de se destacar que, muitas vezes, o titular da operação sequer tem o verdadeiro conhecimento do que efetivamente está autorizando.

Essa situação fere a proteção de dados e a privacidade previstas nas legislações brasileiras, uma vez que o usuário perde o controle de seus dados pessoais e, consequentemente, da sua privacidade diante do excesso de informações e da pouca exploração dos conceitos do direito digital. Não se pode deixar de lembrar que, na web, cada clique é uma transação, ou seja, toda vez que alguém navega na internet, interage com vários atores e realiza centenas de ações.

Observe as pessoas acessando o mundo cibernético e, por vezes, pense em seus próprios acessos. A certeza é única: as pessoas não tomam decisões conscientes sobre a proteção de seus dados pessoais toda vez que utilizam um determinado serviço online ou estabelecem uma relação comercial com cada um desses controladores.

Na maioria dos acessos, nas inúmeras atividades diárias que os usuários realizam no contexto cibernético, a tendência é de clicar “ok” para quase todas as solicitações que surgem em suas telas, e é nesse exato momento em que questiono a verdade do consentimento e como essa autorização, de certa forma inconsciente, fere a proteção da privacidade.

A tecnologia é complexa e os usuários não conhecem com profundidade os seus fundamentos técnicos, apenas a utilizam. Por vezes, um simples “ok” gera um processo de coleta, utilização e compartilhamento de dados pessoais, que pode ser transmitido de forma breve e clara.

A mudança assustadoramente rápida do mundo tecnológico faz com que se torne impossível prever riscos da permissão de acesso de dados. Há de se destacar que tecnologias que se utilizam deBig Data, inteligência artificial e algoritmos, tornam possível extrair novas informações não necessariamente relacionadas à finalidade original que ensejou a coleta desses dados.

A sociedade brasileira tropeça no que juridicamente chamamos de ignorância racional, ou seja, o mundo cibernético nos joga a uma grande quantidade de informações e à complexidade dos conceitos, e, nesse sentido, sem dúvidas, o usuário não tem consciência real dos termos de uso e políticas de privacidade.

Ainda, há de se ressaltar que as políticas de privacidade extensas e escritas em linguagens não toleráveis apresentam pouquíssima efetividade e, na minha opinião, não auxiliam o usuário a realizar uma escolha efetiva.

Dessa forma, várias empresas começam a se atentar e observar esses fenômenos, tanto é que algumas políticas de privacidade locais optaram pelo uso de termos coloquiais como “Usamos os dados”.

A cultura do consentimento está em xeque, principalmente quando o fenômeno da fadiga do consentimento vai além do simples cansaço da pessoa em face das centenas de políticas de privacidade diferentes. No ambiente online, o desinteresse e a falta de engajamento das pessoas ao ato de consentir sobre o fluxo de dados preponderam, seja porque os temas são bem complexos e explicados de maneira truncada que dificultam a compreensão, ou ainda em virtude da excessiva quantidade de cliques que a pessoa tem de fazer para acessar os mais diversos conteúdos ou serviços.

A verdade é que as consequências jurídicas e a sobrecarga informacional e a ignorância racional, marcas de uma economia baseada em dados, dificultam a compreensão do usuário e, na maioria das vezes, tornam vazio o seu consentimento. Dessa forma, implicam na total falta de engajamento real.

Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. É coordenadora e professora de pós-graduação em Direito Previdenciário pela FSG. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital.

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