Hoje faz 120 dias que deixamos o Brasil e estamos há 15 dias isolados por conta da Covid-19, experiência única, e que vai deixar muitos aprendizados, espero que não somente para minha família, mas para toda humanidade. Os últimos dias têm sido um tanto apreensivos, não pela situação em Detroit, nos Estados Unidos, que, apesar de muito séria, me parece que a população está entendendo e colaborando na medida do possível para reduzir a proliferação do vírus. Nossa preocupação recai sobre o nosso Brasil.
Aqui vínhamos cumprindo as recomendações e optamos por nos isolar em casa, saindo somente para comprar alguns mantimentos, o que foi feito em dois momentos nos últimos 15 dias. Mas a seriedade da situação se concretizou, com muita ênfase, na segunda-feira desta semana (23/3), quando todos em casa escutamos um sinal sonoro desconhecido muito alto, apesar de todos os telefones sempre estarem com volume muito baixo. Nos olhamos com aquele olhar de surpresa, crianças assustadas, sem saber o que era.
Fomos em busca do som e era uma mensagem (SMS) enviada pelo Governo do Estado de Michigan, oriunda do escritório executivo da governadora com uma Ordem de “Fique em Casa, Fique Seguro”, que passaria a valer a partir da meia-noite da segunda-feira, avisando que viagens não necessárias estavam proibidas, autorizando a sair de casa em casos específicos de saúde e segurança somente, para buscar suprimentos e remédios, para certas atividades externas e para cuidar de outras pessoas.
Detalhe importante... um dos telefones que recebeu a mensagem era um telefone com número do Brasil, sem chip/número daqui dos EUA, que usamos somente com o Wi-Fi. Nesta mesma semana, recebemos uma correspondência na nossa caixa do correio com um Guia do Presidente Trump sobre o Coronavírus para a América, com as restrições de distanciamento social e normas de higiene.
Aqui existem divergências também, é natural do meio político, da Democracia. A grande diferença que sinto é que os Estados são muito mais autônomos e podem tomar algumas atitudes isoladas, sem depender muito do governo federal. Mas, assim como no Brasil, precisam de ações do governo federal para a liberação de recursos e verbas.
Outro fato histórico que estamos presenciando ocorreu nesta sexta-feira, quando o presidente Trump se utilizou do Production Defense Act, que significa que as empresas são obrigadas a destinar parte de seu parque fabril a produzir equipamentos hospitalares. Esse ato já foi utilizado em períodos de guerras para empresas produzirem armas. No mesmo dia, pudemos acompanhar a bênção Orbi et Urbi do Papa Francisco em uma Praça São Pedro vazia, bênção utilizada em momentos críticos para o mundo.
No caso do estado de Michigan, onde estou morando, no sábado (28/03) pela manhã, o presidente Trump acatou o pedido de “Major Disaster Declaration”, o que permite acessar recursos federais de forma diferenciada. Também em nível federal, apesar das divergências políticas, e estando em um período pré-eleitoral, o Senado aprovou por unanimidade (96 a 0) o projeto do governo que prevê um incentivo na ordem de 2,2 trilhões de dólares, com ações como: envio de cheques do governo de US$ 1.200,00 até US$ 3.000,00 para famílias, acesso a empréstimos subsidiados a pequenas, médias e grandes empresas, para manterem suas folhas de pagamento e suas operações, um acréscimo no valor do seguro-desemprego e, ainda, valores para a área da saúde.
Enfim, o discurso aqui é que o país precisa de união total agora, e que todos devem seguir as regras indicadas pelas organizações capacitadas para isso, como os cientistas, médicos, pesquisadores capacitados, Organização Mundial da Saúde, Centro de Controle e Prevenção de Doenças, entre outros. Um papel importante também que tenho visto aqui é o das entidades que fazem parte da sociedade civil organizada, por exemplo, a Câmara Regional de Detroit, que atende empresas privadas da região, e está participando ativamente, ofertando palestras e cursos online para auxiliar as pessoas e empresas a se organizarem com os recursos que estão sendo disponibilizados pelo governo.
A preocupação com a economia existe, sim, todos têm, mas o pessoal se preocupa em acatar os decretos e orientações dos órgãos públicos, pois confiam que estes estejam pensando no bem-estar dos cidadãos em primeiro lugar. Serviços essenciais se mantêm abertos (supermercados, farmácias, por exemplo), mas indústrias e comércio em geral estão fechados. O transporte público está operando com horários reduzidos, pois o volume de pessoas é bem menor, e não está sendo cobrada a tarifa para evitar o contato com os motoristas, que aqui também são cobradores, e assim não colocarem em risco os funcionários e os passageiros. Para isso, os usuários estão entrando pela porta de trás do ônibus.
Mas nem tudo está como deveria ser aqui, e muitas dificuldades também estão sendo encontradas, principalmente com relação à falta de equipamentos básicos de atendimento em hospitais, EPI´s, testes. Mesmo tendo sido feitos mais de 670 mil testes, e talvez por isso já tenham passado a China em número de casos, esta continua sendo a principal aposta por aqui.
Testes em massa são feitos para identificar o comportamento do vírus e, a partir desta análise, definir as melhores estratégias de isolamento, quarentena, etc. Enfim, seguimos acatando as decisões de quem conhece o tema e buscando informações em fontes confiáveis sobre o que está acontecendo. Quanto ao futuro... bom, não é possível determinar exatamente o que irá acontecer, mas, tendo em vista o comportamento pelo mundo, talvez seja o momento de pecar pelo excesso de cuidados.
No link, um vídeo de conscientização criado por uma agência de propaganda de Detroit para parar a "Motor City" em função da Covid19:
Rafael de Lucena Perini já atuou como empreendedor no setor de chocolates em Caxias do Sul por 10 anos. Bolsista no Doutorado em Administração de Empresas na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e professor licenciado do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), atualmente é pesquisador visitante da Wayne State University, em Detroit. Dedica sua pesquisa a temas relacionados ao desenvolvimento nas cidades.
e-mail:perini.usa@gmail.com