Caxias do Sul 22/11/2024

'ANTEBELLUM' tensiona crítica social antirracista

A protagonista interpretada por Janelle Monáe vive horror social em filme que desacomoda espectador
Produzido por Eulália Isabel Coelho, 04/10/2020 às 07:20:23
Foto: LUIZ CARLOS ERBES

Por Eulália Isabel Coelho

Os roteiristas e diretores estreantes Gerard Bush e Christopher Renz, que preferem ser conhecidos apenas por Bush & Renz, são ativistas sociais, o que já dá uma pista de suas intenções com o longa Antebellum (2020). Os autores apostam no fator desassossego para manipular o espectador, conduzindo-o pelos caminhos da intolerância. Esse manipular é entendido aqui também no sentido de preparar.

As altas doses iniciais de perversidade e violência incomodam a tal ponto que nos parece insuportável continuar. Mas não desista! O filme, em três atos, tira-nos da zona de conforto na abertura e volta a fazê-lo no desfecho. A proposta é trazer à luz, com veemência, a crítica social antirracista situando-a no período da Guerra de Secessão norte-americana (1861-1865).

Logo no primeiro recorte, a citação de William Faulkner, “O passado nunca está morto. Nem sequer passou”, abre a ferida de uma temática tão atual quanto secular. Janelle Monáe é a protagonista em duas narrativas que convergem no ato final. O plot twist (reviravolta no enredo ou ponto de virada) se dá após 40 minutos, quando começa “outro” filme, agora no mundo contemporâneo.

Janelle, que foi a escrava Eden no ato um, agora é Veronica, uma “escritora-coach-influencer” super famosa. Novamente os autores manipulam os dados, mas desta vez nos deixam perdidos. A ideia é que jorrem mil perguntas de nossa garganta ainda seca pelos aviltamentos iniciais. Só resta reacomodar-se na poltrona e esperar pelo que virá: outro plot twist.

Eden precisa escapar do terror racial

Escravizadas: será possível fugir?

Se no ato um tudo é rápido e intencionalmente cruel, no segundo há uma certa pasmaceira que não sabemos bem como interpretar. Ao nos cutucar com tantas interrogações, os diretores se arriscam, mas o fazem muito bem. Eles nos induzem a uma espécie de cegueira. Tateamos entre essas duas narrativas à espera de que se colem em algum momento. É também uma metáfora para a real cegueira da sociedade diante da brutalidade racista.

Se a obra iniciasse pelo segundo ato, o fator surpresa perderia o efeito. Seria mais um filme seguindo a combinação começo, meio e fim nos moldes tradicionais. E é a inversão que faz com que o filme diga a que veio, um necessário confronto que me fez lembrar um verso de Caetano: “A lágrima clara sobre a pele escura”. É nesse sentir que Antebellum nos desloca de um lugar a outro sem se tornar panfletário.

Determinação e fúria pela libertação

Veronica e a filha Kennedi (London Boyce)

O filme, do criador de Corra (2017) e Nós (2019), traz a belíssima fotografia do uruguaio Pedro Luque (Millennium - A Garota Na Teia De Aranha, de 2018). Podemos situá-lo como um thriller de horror social psicológico. Esta tem sido uma tendência do cinema atual ao referir-se a questões raciais. O apelo surge da combustão desses fatores.

A bela e talentosa cantora Janelle Monáe, que antes já mostrara sua dramaticidade em Estrelas Além do Tempo e Moonlight , ambos de 2016, exerce forte empatia no espectador. Seu rosto domina a tela em absoluto. Nós estamos com ela desde sua primeira aparição em cena. A sucessão de eventos vividos por Eden/Veronica é a senha para abrirmos os olhos diante do racismo sistêmico de uma vez por todas.

Antebellum estreou na Amazon PrimeVideo norte-americana nessa semana e em breve entrará no catálogo da plataforma de streaming no Brasil.

Assista ao trailer legendado AQUI

FICHA TÉCNICA

Antebellum – A Escolhida

EUA, 2020


Direção: Gerard Bush, Christopher Renz
Roteiro: Gerard Bush, Christopher Renz
Elenco: Janelle Monáe, Jena Malone, Gabourey Sidibe, Kiersey Clemons, Eric Lange, Lily Cowles, Marque Richardson, Jack Huston, Tongayi Chirisa, Robert Aramayo, Lyle Brocato, Devyn A. Tyler

Duração: 105min

DE OLHO NO SET

Antebellum é um termo que significa “antes de uma guerra” e é associado ao período anterior à Guerra Civil americana, quando a escravidão ainda era permitida.

A frase que acompanha os cartazes do filme é bem significativa:“Se isto escolher você, nada poderá salvá-lo.”

Janelle Monáe protagonizou, nesse ano, a segunda temporada de Homecoming, série da Amazon Prime Video produzida por Julia Roberts. (Leia mais AQUI)

Monáe faz uma participação especial em Harriet (2019) filme que conta a vida de Harriet Tubman, escrava que foge do Sul dos EUA e se torna ativista política ajudando na fuga de escravos durante a Guerra Civil Americana.

O grupo country norte-americano Lady Antebellum anunciou em junho desse ano que mudou o nome para Lady A a fim de evitar associação com o período de escravatura.

Créditos das fotos: Divulgação Lionsgate

Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora

mail bibacoelho10@gmail.com

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