As pautas sobre restrições alimentares e saudabilidade vêm ganhando as discussões de gastronomia há alguns anos e com uma clara tendência de permanência.
Estima-se que mais de 60% da população mundial possa apresentar algum tipo de intolerância alimentar, provavelmente devido aos efeitos da industrialização de alimentos, o consumo de ultraprocessados e a produção de alimentos transgênicos. Esses fatores, combinados com o estilo de vida atual em que ansiedade e depressão se tornaram uma constante, podem fazer com que as pessoas percam a sintonia natural entre nutrição e compensação.
O desenvolvimento de produtos alternativos e mais saudáveis vem recebendo uma atenção crescente de restaurantes, padarias e mercados, que hoje sentem a necessidade de se atualizar. Foi-se a época em que apresentar um cardápio com apenas uma opção vegana seria o suficiente, geralmente uma massa qualquer com molho de tomate. É importante que cozinheiros e empresários apresentem alternativas que contemplem um maior número de pessoas com necessidades cada vez mais distintas.
Leites vegetais, apesar de ainda serem caros nas gôndolas, têm claramente agradado o público e ganhado cada vez mais espaço entre as prateleiras. É importante lembrarmos que praticamente todos os produtos ofertados podem ser feitos em casa, muitas vezes bastando apenas um liquidificador e um pano limpo.
Falo com segurança que não existe leite de coco industrializado que seja tão saboroso e fresco quanto um caseiro. Para isso, basta apenas um coco seco e um pouco de água morna batidos no liquidificador pelo tempo necessário e posteriormente espremidos através de um pano limpo. Naturalmente, como será livre de conservantes, terá sua durabilidade muito menor do que as versões industrializadas e deverá sempre ser mantido sob refrigeração ou no freezer para a sua conservação.
Aveia, amendoim e oleaginosas em geral também podem ser transformados em leites vegetais, e ainda por cima oferecem como subproduto desse processo os seus bagaços, que poderão servir para bolos, tortas, farofas e granolas.
Cada vez mais comum também é a solicitação pelos clientes de produtos voltados às dietas com restrição de glúten. Essa estrutura proteica, que viaja para nossos organismos principalmente através da farinha de trigo, tem suas funções práticas no processo de fabricação de massas, possibilitando o desenvolvimento da elasticidade e plasticidade, sendo que é possível, a partir de certas adaptações de ingredientes, a substituição da farinha de trigo por produtos como polvilhos, féculas e farinhas de vegetais como batatas doces, milhos e mandioca. Toda substituição, no entanto, gera um resultado diferente.
É interessante a reflexão de que boa parte dos produtos que buscamos hoje no universo da panificação e confeitaria foram criados em momentos específicos da história europeia, que favorecia o uso de farinha de trigo, açúcar refinado e derivados de leite. Com um olhar um pouco mais local, podemos notar a presença e grande popularidade de diversos produtos que são naturalmente confeccionados através de ingredientes alternativos à farinha branca de trigo como broas, biscoitos, pamonhas, acaçás e angus.
Isso sem falar nos latinos arepas, tamales e tantos outros. Mesmo o pão-de-queijo é uma alternativa para os que desejam ter um consumo controlado de glúten, pois é feito com o polvilho da mandioca, naturalmente sem glúten
Toda substituição gera um resultado diferente. Não precisamos, no entanto, buscar encontrar nas receitas adaptadas para as novas necessidades as mesmas texturas e sabores que nas receitas originais. Não se trata de apenas adaptar, mas sim de criar novas possibilidades através de produtos que se enquadrem na realidade de cada um.
Com um pouco de criatividade e atenção para o mercado consumidor, poderemos criar e apresentar infinitas alternativas para um público que é carente de possibilidades e que priorizará cada vez mais alimentos mais saudáveis e dentro das suas especificidades.
Daniel Marcus Martins é professor do curso de Tecnologia em Gastronomia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)/ Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS).