Estamos (finalmente?) aprendendo e compreendendo as lições de compaixão e humanidade que o coronavírus nos está a oferecer neste ano de 2020?
“Ah, pois. Mire e veja o senhor.” Diria o Riobaldo, jagunço-personagem-central- contador-das-histórias do romance Grande Sertão-Veredas, de Guimarães Rosa. “Presentemente, o que hoje é, é porque ontem foi o acontecido.” E os entrelaçamentos de suas narrativas tinham um objetivo – “...como por que foi que tanto emendado se começou?’’
Nesses dias de confinamento em casa, medida necessária para a guerra contra o coronavírus, cuja propagação atinge a todos, no mundo todo, algumas leituras e lembranças associadas nos permitem rever fatos de nossas vidas.
Nos anos setenta, a realidade no Brasil era comandada por um regime de ditadura, chamados anos de chumbo. Naquela época, eu era uma jovem universitária do Curso de Letras-UCS e namorava um estudante de Arquitetura da URGS.
Foi nesse contexto que fomos impactados pelas novas correntes de pensamentos e pela repressão. Os professores universitários (os mais amados e respeitados pelos alunos) que tinham coragem de expor suas ideias eram cassados, calados, e, lembro que em uma determinada noite, a Faculdade de Arquitetura em Porto Alegre foi metralhada. Era chumbo mesmo.
Mas o que tudo isso tem a ver com o momento atual? Ah, pois, dentre o que era discutido, reverberavam as teorias de McLuhan, filósofo canadense que criou a expressão “aldeia global”, a qual popularizou-se em suas obras – citamos o livro “A Galáxia de Gutenberg” (1962), editado em uma época em que não havia internet, ele dizia, mesmo assim, que a tecnologia encurtaria distâncias.
As pessoas viveriam como se em uma aldeia. Na mesma situação. Desta forma, todos estariam interligados. No mundo inteiro!!. McLuhan previu isso. Visionário. Houve muita polêmica. Elogiado por muitos e contestado ferozmente por outros.
“Ah, pois. Mire e veja o senhor.” O pulo que o homem deu no avanço tecnológico desde esses anos setenta até hoje, não só nos meios de comunicação, como nos meios de transporte, facilitador de viagens e a internacionalização da economia, dentre tantos outros fatores.
Nesse contexto, não há limites para a nossa imaginação, porque a internet ignora a presença física. Pode-se quase tudo. Quanto a mim, adoro visitas virtuais nos museus, cidades e países. Sim, vivemos numa aldeia global. Seria exagero dizer que nossa pátria é o mundo?
Pois então, em sendo uma aldeia, de uma forma jamais imaginada, a não ser nos mais loucos delírios ficcionais, estamos sentindo na pele, ou melhor, nos pulmões, a presença mortal de um vírus, para o qual ainda não há vacina e a melhor arma que temos, para o momento, é nos isolarmos uns dos outros para evitar o contágio.
Nós, habitantes dessa aldeia, estamos na neblina. A pandemia chegou sorrateira. Somos perigo uns para os outros, todos somos uma ameaça. A seleção natural prevalecerá – os mais fortes sobreviverão. Que sacudão!
É o momento de tomarmos consciência de que precisamos rever os valores e recomeçar. Preservar os ecossistemas. Aproveitar essa crise como uma oportunidade. Solidão é ruim. Solitária é ruim. Solitude é bom, é positiva para repensar, refletir, re...
Ora, um vírus da família Coronavírus, remanescente da época dos dinossauros, veio para relembrar ao homem - vivemos em uma aldeia global. E, como tal, somos irmãos, somos iguais, temos direitos e deveres, olhar para o outro com compaixão é amar a si mesmo, o mundo, a casa, a aldeia, a vida.
“ A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação – porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada”. Ah, sábio Riobaldo. Ou melhor, sábio Guimarães Rosa.
É outono!
Como as árvores,
Deixemos cair ranços, preconceitos, desamor.
Sim.
Marília Frosi Galvão é professora, escritora e cronista
E-mail: galvao.marilia@hotmail.com