Caxias do Sul 21/11/2024

A violência arraigada no cotidiano do país

Estudo apresenta o panorama da situação de violência na região do Corede Serra no primeiro semestre de 2020
Produzido por Marcos Paulo Dhein Griebeler, 12/08/2020 às 08:30:35
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Estimado(a) leitor(a), você certamente comenta com seus familiares e amigos sobre os crimes que acontecem no cotidiano, seja ao ler uma notícia, ao saber de alguém que tenha sido assaltado ou, então, caso uma pessoa tenha sofrido algum furto em sua residência. Trata-se, realmente, de um tema que suscita diversas percepções e todos possuem sua visão particular sobre este problema social, independentemente de qualquer que seja o local.

De uma forma geral, a violência no plano nacional também merece uma consideração mais detalhada quando se pensa no que pode ser feito para minimizar este obstáculo para a sociedade contemporânea. Na mesma linha, é preciso considerar ainda que os mais diversos tipos de agressão física ou moral são relatados cotidianamente: contra o idoso, contra as mulheres, as crianças, os adolescentes e/ou imigrante (como sugestão sobre isso, assista o filme de José Joffly, “Olhos Azuis”, 2010), dentre tantos outros tantos exemplos que corriqueiramente podem não chamar a atenção de alguns até o momento em que uma pessoa mais próxima sofre as consequências deste problema social.

Cabe ainda destacar que o Brasil possui um histórico em que a violência é praticada nos mais diversos níveis da sociedade, expressa muito antes da independência, seja para com os índios ou com os escravos negros no tempo do Império (como sugestão, veja o filme de Sergio Bianchi, “Quanto Vale ou É Por Quilo”, 2005), seguindo na forma de um poder representado por coronéis ou exploradores mercantis logo depois, somado ao próprio fato de que cabe ao Estado o direito de exercer, como cita Max Weber (“Poder como Vocação”, 1919), o monopólio da violência legítima da força física dentro de um determinado território, ou seja, praticar a coerção.

Com a redemocratização do país em 1988, a Constituição prevê uma série de itens que visam garantir a integridade das pessoas, como nos artigos 226 a 228, dentre outros. Mesmo assim, nota-se que a teoria é sempre mais econômica do que a prática, principalmente pelo que se observa nos últimos tempos: aumento populacional das cidades, intensificação da corrupção, altos índices de desemprego, a dominação das classes mais poderosas (como sugestão de leitura, os livros de Raimundo Faoro, “Os Donos do Poder”, 1958 e de Roberto DaMatta, "Afinal, o que faz do Brasil, o Brasil", 1989).

Isto é ainda acompanhado da presença do responsável pelo tráfico de drogas (como no filme de Fernando Meirelles, “Cidade de Deus”, 2002), que exerce sua “lei” conforme lhe convém, não importando sua localização, como se vê em determinados casos em que pode estar preso e comandar uma execução do mais remoto lugar, desde que possua sinal de celular, por exemplo.

Como reforço de cenário de violência, na última oportunidade teve-se a exposição de dados que relevam um preocupante cenário no caso da violência contra o gênero feminino, principalmente pela Serra Gaúcha ter registrado, entre janeiro e junho de 2020, 1.688 ocorrências, o que correspondia a 6,55% do total no RS (26.428 casos).

Na mesma linha, quando se observam os registros da violência em geral no RS, os doze indicadores informados pela Secretaria da Segurança Pública (https://www.ssp.rs.gov.br/indicadores-criminais) se subdividem em:

Vítimas de Homicídio Doloso;

Latrocínio;

Furtos;

Abigeato;

Furto de Veículo;

Roubos;

Roubo de Veículo;

Estelionato;

Delitos Relacionados a Armas e Munições;

Entorpecentes – Posse;

Entorpecentes – Tráfico;

Vítimas de Lesão Corporal seguido de Morte.

Em linhas gerais, o Estado do RS registrou 122.330 ocorrências e a partir disso verifica-se que dentre os 28 Coredes, o Corede Serra (que contém 32 municípios), foi o quarto mais violento nos seis primeiros meses de 2020, com 8.016 casos (6,56%), sendo os meses com maior número de denúncias entre maio (1.456 casos/18,16%) e junho (1.462/18,23%). Importante destacar que esses resultados últimos chamam a atenção em razão da Pandemia edemonstram que a violência vem crescendo mesmo com as orientações de que as pessoas devam, prioritariamente, permanecer em casa.

Em separado, os dez municípios com maior registro de crimes nesse espaço geográfico foram Caxias do Sul (4.884 casos/60,89%), Bento Gonçalves (935/11,66%), Farroupilha (671/8,37%), Flores da Cunha (258/3,22%), Guaporé (181/2,26%), Garibaldi (167/2,08%), Veranópolis (150/1,87%), São Marcos (142/1,77%), Nova Prata (124/1,55%) e Carlos Barbosa (118/1,47%). Se somados, estes locais concentravam 7.630 casos (95,15%). Em contrapartida, um destaque positivo se observa em Santa Tereza que não registou nenhum registro de violência no período citado. Na sequência, os municípios que registram menos casos foram: União da Serra (2 casos/0,02%), Montauri (3/0,04%) e logo após, empatados, Boa Vista do Sul, Coronel Pilar, Fagundes Varela e Guabiju (06 casos/0,07% de participação em cada um deles).

Simultaneamente, verifica-se que dos 12 crimes informados nas estatísticas da SSP, os maiores registros no Corede Serra estavam em oito deles, com destaque para os furtos (2.642 vezes/32,95%), seguido dos crimes de estelionato (2.273/28,36%), roubos em geral (1.021/12,74%), furto de veículos (620/7,73%), tráfico de entorpecentes (444/5,53%) e posse (410/5,11%) dos mesmos, assim como delitos condizentes ao roubo de veículos (293/3,66%) e posse ilegal de armas e munições (183/2,28%).

Na continuidade, em menor número, mas de igual preocupação, estavam os delitos de homicídio doloso (84 casos/1,05%), abigeato (44/0,55%) e latrocínio (roubo seguido de morte com três casos/0,04%), sendo que não foram registradas vítimas de lesão corporal seguida de óbito.

Com esse cenário, tanto no plano regional, estadual ou nacional, sabe-se que as causas que geram a violência podem estar relacionadas aos mais diversos problemas sociais, tais como miséria, fome e desemprego, este, em muitos casos, gerado pelo uso intensivo de tecnologia por determinado segmentos produtivos. Contudo, não se pode pensar que a criminalidade é um resultado exclusivo das desigualdades econômicas e sociais no Brasil.

A partir do momento em que não se encontra respaldo na efetiva implementação e avaliação de políticas públicas de segurança, essa situação pode contribuir para a percepção da população no que diz respeito tanto ao sentimento de injustiça como ao de impunidade, sendo estes talvez as principais causas da violência.

Os resultados expostos anteriormente podem revelar e sugerir quais podem ser os principais crimes que precisam ser combatidos de uma maneira mais enérgica em determinados municípios. Porém, reforça-se aqui que isso não depende apenas da Brigada Militar, da Polícia Civil ou do Governo A ou B. Ou seja, entende-se que primar pela segurança coletiva cabe a todos enquanto detentores de um bem imaterial e comum a todos: a cidadania. Em outras palavras, os indicadores revelam que acontecimentos foram registrados, mas mesmo assim podem ser minimizados, principalmente se houver uma maior participação da sociedade no auxílio ao combate à violência, que deve ser execrada em qualquer que seja sua classificação.

Contudo, caso o senso comum prevaleça, alegando que “isso nunca vai mudar” entende-se que se chega a um estágio preocupante de conformidade e de inanição. A violência é reflexo de uma sociedade que contém pessoas e organizações que tentam burlar o sistema, o qual, por sua vez, se mostra como defasado, precário e repleto de problemas que vão desde a superlotação de presídios até a exaustão do uso de recursos possíveis para alguém ser preso.

Aliado a isso, a própria ausência de oportunidades iguais para as pessoas em termos de mercado de trabalho faz gerar a falta de perspectiva para muitos ante o cenário econômico e social do Brasil, encontrando na criminalidade uma alternativa, no seu entendimento, necessária para sua subsistência.

Deste modo, ressalta-se que esta breve análise é apenas um ponto que está em discussão, pois muitos outros fatores podem integrar esse complexo assunto, a começar pela busca de um maior nível instrucional para a população. A Educação não é a panaceia para todos os males, mas se instrumentaliza como um elemento-chave para o desenvolvimento humano. Este será o item que trataremos em nossa próxima incursão. Até lá.

Marcos Paulo Dhein Griebeler é Doutor em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Professor do Centro de Negócios do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG e do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional das Faculdades Integradas de Taquara – FACCAT.

mailmarcos.griebeler@fsg.edu.br ou marcosdhein@faccat.br