Foi a onça que me disse: as plantas conversam com a gente.
Só se for contigo, respondi, que compartilha o mesmo hábitat delas.
Aí ela me fez notar que eu moro no bairro Floresta e, portanto, também tenho certas responsabilidades comunicativas com o reino vegetal. Mas eu não conseguia acreditar. O que uma planta teria a me dizer?
A onça, então, explicou:
– Elas expressam seus sentimentos.
Ah, pensei, só podia ser. Sentimentos! Essas plantas são um bando de hippies.
– Fizeram um estudo – disse a onça –. Botaram duas plantas numa sala. De noite, uma pessoa ia lá e arrancava folhas, revirava a terra, quebrava galhos de uma delas. Na manhã seguinte, os pesquisadores voltavam à sala um a um. Quando os inocentes se aproximavam da planta machucada, ela não esboçava reação. No entanto, quando chegou perto dela o facínora, ela se tremeu toda, em choque. Mediram isso com um aparelho tipo aquele que os polícias usam pra detectar mentirosos.
Continuei duvidando. A onça me falou que tinha lido isso num livro, A vida secreta das plantas, que o tamanduá lhe havia emprestado. Continuei duvidando. Até que veio a onça aqui em casa ontem. Olhou minha ora pro nobis perto da janela e disse:
– Ela tá pedindo água. Olha só, tão abatida.
– Deve ser o frio – retruquei.
Mas a onça já estava servindo um copo d’água à plantinha. E o milagre se operou.
Os braços da ora pro nobis voltaram a se tonificar. As mãos e as orelhas ergueram-se aos céus e, finalmente, entendi o porquê de ela ter esse nome. Ela até mudou de cor: ficou verde. E eu que achava que tinha em casa um raro espécime de ora pro nobis amarela!
Baixei a cabeça, humildemente, enquanto a onça me guiava entre as suculentas, kalanchoês e crisântemos que compõem a modesta brenha do meu lar.
– Essa quer mais sol – dizia a onça –. Essa, sombra.
E ia trocando todas de lugar, regando, elogiando e, às vezes, xingando as plantas que, apesar de estarem no melhor dos mundos possíveis (considerando os limites impostos a seu cuidador pelo capitalismo), não revelavam sua face mais bela.
– Tem umas que são meio mimadas – comentou a onça –. Aos poucos, tu vai aprendendo a língua delas.
Aí eu gostei. Se tem algo que me empolga é aprender língua. Como a da onça. Quando a barriguinha dela soltou aquele rugido, eu sabia que devia me colocar logo a esquentar a sopa. Que onça com fome, senhoras e senhores, não é uma interlocutora agradável de se ter por perto.
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
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