O tema da escravidão parece que não quer sair de cena. Até o jornal italiano Corriere della Sera, no dia 14 de março, nesta semana, publicou uma matéria no mínimo espantosa, assinada por Pierluigi Panza, com a seguinte manchete:
“Descoberta a identidade da mãe de Leonardo da Vinci: se chamava Caterina, era uma circassiana feita escrava”
Essa extraordinária revelação foi feita pelo professor Carlo Vecce, da Universidade de Nápoles, que encontrou um documento inédito no Arquivo do Estado de Florença. É um documento escrito em latim e assinado por um notário, no qual o pai de Leonardo, Piero da Vinci, declara estar libertando a mãe dele, de nome Caterina, da condição de escrava. O documento traz a data de 2 de novembro de 1452, seis meses depois do nascimento de Leonardo, ocorrido em 15 de abril daquele ano.
Na pesquisa de Carlo Vecce fica esclarecido que Caterina nasceu nos montes do Cáucaso, onde havia uma colônia de Veneza. Lá foi comprada como escrava por um certo Donato, que fazia comércio de joias e tecidos produzidos por mão de obra escrava. Foi levada para Veneza, depois para Florença, e a seguir para Vinci. Lá foi adquirida por Piero da Vinci, pai de Leonardo da Vinci, para ser sua empregada doméstica. Na época ela estaria com cerca de quinze anos.
Além de doméstica, Caterina fez também o papel de cônjuge, tendo vários filhos com o seu dono e patrão. O último deles teria sido Leonardo, antes de seu pai livrá-la do vínculo da escravidão.
Carlo Vecce mergulhou nessa história e escreveu um romance intitulado Il sorriso di Caterina, no qual coloca Caterina como a Gioconda, a mais célebre pintura de Leonardo, também conhecida como Mona Lisa. O sorriso da mãe dele teria inspirado Leonardo, que, segundo o autor, levou anos para concluir a pintura.
Ele a valorizava tanto que, quando foi para a França, em 1516, levou-a consigo: por isso ela está no Museu do Louvre. O rei Francisco I colocou o quadro no castelo de Amboise, onde Leonardo viveu por três anos até falecer. (Nota: conheci o castelo de Amboise, onde há uma escadaria de duas mãos, para não se encontrarem os que sobem e os que descem, projetada por Leonardo da Vinci).
O autor da matéria no Corriere faz esta avaliação crítica do romance: “Tudo paira sobre dois pratos da balança, o da verdade e o da verossimilhança – e isso requer um pouco de tempo para avaliar. O livro é uma docu-ficção, sem notas”
No enredo do romance, Carlo Vecce levanta vários outros fatos “entre a verdade e a verossimilhança”, além de contar que a Gioconda era na verdade Caterina.
Um deles seria o de que Donato, que vendeu Caterina ao pai de Leonardo, ao morrer, “deixa tudo para o Monastério São Bartolomeu de Monte Oliveto, para quem Leonardo pintou a Anunciação, o que talvez tenha ligação com a memória da mãe Caterina, escrava de Donato: Leonardo estaria pondo a si mesmo como Salvador” (Pierluigi Panza).
Carlo Vecce narra também que Caterina morreu em Milão, nos braços do filho, e teria pintado o quadro A Virgem das Rochas para a igreja em cujo cemitério a mãe foi sepultada.
Bem, o romance é muito encorpado. Tem 528 páginas e foi publicado pela Giunti Editore, com sede em Florença. O Corriere informa também que o preço do livro é de 19 euros.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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