POR JOSÉ CLEMENTE POZENATO
Na semana passada citei Norberto Bobbio, o grande jurista e filósofo do Piemonte. Volto a ele, para abordar um assunto que certamente interessa a todos os que estamos no “grupo de risco” e, portanto, em rígida quarentena... E que pode interessar aos que cuidam carinhosamente de nós.
Bobbio escreveu aos 85 anos um livro com o título De senectute (isto é, “Sobre a velhice”), que foi publicado em português com o título aguado de Tempo da Memória (1997).
Ou para evitar o latim, talvez demasiado erudito para os novos, ou para não ferir suscetibilidades dos velhos, que não gostam que se use a palavra velhice. Tanto que o politicamente correto é chamá-los de idosos. Quer dizer, até na tradução do título de um livro sobre a velhice, o jogo do poder se faz presente, de forma camuflada.
Pois bem, nesse texto Bobbio começa dizendo que até a quantidade de anos para alguém ser considerado velho mudou, desde que Cícero escreveu o seu De senectute:
“Aqueles que escreveram obras sobre a velhice, a começar por Cícero, tinham por volta de sessenta anos. Hoje, um sexagenário está velho apenas no sentido burocrático, porque chegou à idade em que geralmente tem direito a uma pensão. O octogenário, salvo exceções, era considerado um velho decrépito, de quem não valia a pena se ocupar. Hoje, ao contrário, a velhice, não burocrática mas fisiológica, começa quando nos aproximamos dos oitenta [...]”.
A mudança é tanta que, diz ele, não se fala mais em terceira, mas em quarta idade. No seu modo peculiar de pensar geometricamente, Bobbio caracteriza três tipos de velhice: a burocrática, a biológica e a psicológica (que para ele, observa com humor, começou ainda na juventude!). A esses três tipos poderia ser acrescentado um quarto, por minha conta: a velhice como representação cultural.
É no plano da prevenção e da recuperação do envelhecimento biológico que o conhecimento humano tem obtido mais êxitos. A medicina deslocou a idade da velhice em pelo menos vinte anos, com promessa de prolongar ainda mais essa passagem. E é a medicina que vem ampliando as possibilidades do que se convencionou chamar de “qualidade de vida” nessa fase. O envelhecimento psicológico também vem sendo objeto de estudos e de procedimentos que permitem manter ou recuperar o “espírito de juventude”. Já no plano da representação cultural da velhice parece que se acumulam apenas perdas: para usar a expressão dolorida de Bobbio, nosso tempo é o tempo da “velhice ofendida”.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.
e-mail: pozenato@terra.com.br