Como nos antigos discos de vinil das bandas famosas que colocavam as músicas com mais apelo popular no lado A e deixavam para o lado B aquelas que realmente definiam sua personalidade, atraí vocês, meu leitores, no artigo anterior, retratando a transição que ocorre na vida da mulher entre os 40 e 60 anos de idade.
Refletimos sobre como a vemos e como nos enxergamos e o quão importante é estarmos conscientes das mudanças e do que devemos buscar. Prometi para vocês que explicaria por que o entendimento do climatério se tornou tão nebuloso e, neste lado B da nossa conversa, vocês entenderão para o que vim e onde quero chegar.
A maneira ineficaz com que o climatério tem sido tratado não é algo que se possa colocar na responsabilidade de alguém. Essa falta de reconhecimento é multifatorial e até evolutivo.
Pense em como as mulheres entre as décadas de 60 e 80 viviam. Nessa idade, a rotina delas era mais tranquila, muitas não trabalhavam fora, muitas já estavam viúvas e já nem tinham mais os filhos em casa. Elas não corriam contra o relógio como fazemos hoje, não precisavam fazer o frenético malabarismo que fazemos com o trabalho, casa, família, planejamento e execução de diversas tarefas diárias, duelando com o trânsito e negociando os prazos de tudo que precisamos concluir.
Muitas nem lembram ou lembravam como passaram por essa fase porque viver esses sintomas sem cobranças externas não os fazia parecerem tão severos. Além disso, a expectativa de vida das mulheres brasileiras nessa época era entre 50 e 60 anos, apenas; a maioria não vivia o suficiente para sofrer as consequências crônicas da falta de hormônios.
Para as mulheres que passam por esse período agora, em plena produtividade em todos os sentidos, talvez vivendo o momento mais repleto de atribuições das nossas vidas, os sintomas causam muitas perdas e sofrimento, porque prejudicam nossa performance em todas esferas da nossa existência.
Como a solução se tornou a vilã?
Acho fundamental explicar-lhes o porquê da falta de evolução na abordagem e tratamento da menopausa e por que o termo “terapia de reposição hormonal” (TRH) se tornou impopular. Em 1942, o laboratório Wyeth desenvolveu o Premarin, uma droga composta por estrogênio conjugado equino que foi aprovada pelo Food and Drug Administration (FDA), a Anvisa americana, para o tratamento dos sintomas do climatério.
Ele levou décadas para ganhar popularidade e, no final da década de 1980, ele já havia ganhado confiança e o entusiasmo das instituições médicas. A grande maioria das mulheres que fazia uso percebia imediato alívio dos sintomas e, por isso, ele recebeu a fama de "medicação milagrosa”. E realmente era!
Então, em 1990, ele foi coroado com o reconhecimento pelas Associações Médicas Americanas de Cardiologia e de Ginecologia e Obstetrícia como escudo efetivo para proteger as mulheres contra osteoporose e doenças cardiovasculares (ACVs). Assim, em 1992, tornou-se a medicação mais vendida nos EUA.
Por isso, em 1993, teve início um estudo chamado Women's Health Initiative, ou WHI, promovido pelo Instituto Nacional de Saúde Americano em parceria com a Wyeth, que produzia e detinha a patente do Premarin, ainda líder no mercado de reposição hormonal no mundo inteiro, com muito poucos concorrentes. O objetivo era estudar o papel dele na prevenção de ACVs, osteoporose, câncer de mama e colorretal em mulheres na idade pós-menopausa.
Esse estudo foi fantástico em dimensão e muito bem intencionado, mas cometeu erros graves na seleção de pacientes que causaram um aumento da incidência de ACVs e câncer de mama, resultando na sua interrupção precoce com 8 anos de evolução, em 2002. Os resultados ruins foram mal interpretados e resultaram na destruição da reputação desse medicamento e, por consequência, de todos os tipos de reposição hormonal.
Repercussões sobre as nossas vidas
As mulheres e seus médicos foram tomados pelo temor. As que estavam usando-o, foram orientadas a parar de tomá-lo e a sua prescrição foi banida dos consultórios por praticamente uma década. Após algum tempo, com todas as informações valiosas colhidas dentro do estudo e a identificação dos erros e vieses, o seu real e significativo efeito protetor foi provado, mas o dano já tinha sido feito.
A Sociedade Norte-Americana de Menopausa, que por muitos anos foi discreta ao se posicionar em defesa da retomada do seu uso, finalmente, para minha satisfação, confirma o quão deletério foi esse acontecimento e o reconhece como o "11 de setembro" para as mulheres, como foi dito no último congresso, em outubro de 2020, que tive o prazer em atender já no formato virtual.
As mulheres brasileiras foram muito afetadas pelos efeitos desse estudo, mesmo que não tivessem tanto conhecimento como as americanas sobre ele. A opção de TRH passou a ser um assunto evitado pelos médicos e elas começaram a ter incutida em si a ideia de que deveriam passar essa fase naturalmente ou procurando terapias alternativas para enfrentar os sintomas.
O mercado farmacêutico aproveitou essa brecha e inundou as farmácias de opções “naturais” ou “bio-idênticas” que eram ineficazes e duvidosas. As pesquisas sérias sobre novas opções genuínas de fórmulas para reposição hormonal diminuíram em número e velocidade.
Após esse evento, seguiram-se anos de falta de educação e treinamento dos médicos sobre a importância de se tratar o climatério e sobre como prescrever a TRH. Isso levou as próximas gerações de mulheres a não serem orientadas a usá-la ou a serem desencorajadas pelos próprios médicos, pela mídia e pela opinião pública.
Assim, elas foram condenadas a viver muitos dos anos que poderiam ser os mais produtivos e mais desfrutados de suas vidas, sentindo diversos sintomas. Os fogachos, a alteração do sono e perdas de concentração com prejuízo intelectual afetavam terrivelmente a vida profissional.
A vida familiar era muito abalada pelas alterações do humor e sintomas depressivos. A relação conjugal ficava muito frustrada pela indisposição e falta de interesse sexual. A soma de tudo isso provocava um abalo severo na autoestima das mulheres que, de repente, não se reconheciam mais e viviam uma batalha solitária. É claro que as mulheres experimentam esses sintomas de formas e intensidades diferentes, mas o fato é que eles duram em média 7 anos, que não deveriam ser vividos assim.
Reposição hormonal: a luz no fim do túnel
Atualmente, as mulheres que estão vivendo essa fase ainda se sujeitam a uma peregrinação por diversos tipos de especialistas para resolverem essas questões, quando muitas delas poderiam ser resolvidas de forma simples usando o tratamento certo, prescrito na hora certa. Isso gera um desgaste emocional desnecessário, um custo financeiro exorbitante e causa ainda uma perda de produtividade profissional e pessoal inestimável.
Pois bem, chega disso. Já superamos a confusão e a incerteza, estamos em 2021 e está mais do que certo que o tratamento ideal para mulheres em menopausa é a TRH. O estrogênio trata os sintomas e faz muito mais, nos protege de várias doenças crônicas que começam nesse período e são causas da nossa perda de qualidade de vida na terceira ou melhor idade.
Mas o “timing” ou momento para o início do seu uso é crucial e deve acontecer durante os primeiros 5 anos após a última menstruação. Por isso, gosto de explicar que vejo o climatério como uma preciosa "janela de oportunidades” na qual definimos em que condições iremos envelhecer, o quanto seremos ágeis e independentes, como desfrutaremos da nossa merecida aposentadoria e da companhia do nosso amor e mais, com que disposição física e mental estaremos para brincar com os nossos netos.
Agora acredito que entenderam a razão pela qual a hormonioterapia para a menopausa ficou tão difamada e por que não deve ser temida. Espero ter trazido à luz as razões pelas quais essa fase tão especial das nossas vidas, que é a menina dos meus olhos, é tão maltratada.
No meu próximo texto, iluminarei melhor o caminho, explicarei a importância de tratar o climatério e como isso repercute positivamente sobre o nosso envelhecimento. Falarei dos seus benefícios, das escolhas e da personalização do tratamento.
Lisiane Dossin Miotti é médica especialista em Mastologia, Ginecologia e Obstetrícia com formação na PUC-RS. Cursando especialização em Menopausa, Ciências do Bem-Estar e Longevidade nos EUA, onde vive há 5 anos.
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