Caxias do Sul 23/11/2024

A razão pela qual uma nação é desenvolvida

O que tenho observado por aqui é a aceitação da mudança, a resiliência, a forma com que a cidade, os empresários e a população encaram esta situação
Produzido por Rafael de Lucena Perini, 07/04/2020 às 19:27:28
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Infelizmente, ou felizmente, estamos muito longe de casa em um momento tão crítico para toda a humanidade. Tendo isto em mente, a vida segue, com todos confinados, fazendo as atividades encaminhadas pelas escolas das crianças, eu e a esposa atuando como professores das filhas, uma tarefa duplamente árdua em função do idioma e dos conteúdos.

A facilidade vem por conta do acesso prévio que as crianças tiveram aos equipamentos tecnológicos na escola, cada um dos alunos tem um notebook, que pode trazer para casa para realizar as atividades e acompanhar os encontros online.

O que tenho observado por aqui é a aceitação da mudança, a resiliência, a forma com que a cidade, os governantes, entidades de classe, sindicatos, empresários e a população encaram esta situação. Talvez isso se dê também em função do histórico do país e da cidade, o que tem sido parte de meus estudos. Uma cidade que nas suas origens, em 1760, foi fruto de disputas entre ingleses e franceses, sofreu com incêndios no início de sua história, em 1805, passou pela grande depressão de 1928 de forma traumática, pois vinha de um crescimento muito forte, dominando o mercado automotivo mundial, e teve revoltas locais muito violentas, envolvendo questões raciais em 1943 e 1967.

Tudo isto deixando cicatrizes na sua comunidade e, para complementar, a partir dos anos 50, passou a perder investimentos e habitantes em decorrência da globalização. Isso apresentou o setor automotivo à concorrência internacional, deslocando muitas fábricas de automóveis, a principal fonte de recursos da cidade, para outras regiões do país e do mundo, em busca de melhores resultados financeiros destas grandes empresas.

Em 2013, o município de Detroit amargou um processo de falência, com intervenção estadual nas suas contas. Desta forma, passou a buscar alternativas para mudar esta história, se reinventando e atraindo investimento público e privado como forma de se renovar.

O ano de 2020 iniciou com ótimas perspectivas. A economia estava colaborando com o crescimento da cidade, empresas anunciando investimentos em fábricas e escritórios centrais.

Só que a ameaça invisível chegou, e está abalando de forma muito forte, sendo possível que Detroit se torne uma das cidades com grande número de casos de Covid-19 dos Estados Unidos. Essa possibilidade se deve muito à grande desigualdade econômica, que é característica da região, e por ser uma cidade de fronteira (Canadá), onde o fluxo de pessoas e mercadorias é muito grande.

O que se nota é que as pessoas estão, na sua grande maioria, empenhadas em controlar este vírus, reduzindo o máximo das atividades, ficando em casa, respeitando as determinações das autoridades. Mesmo assim, observa-se o número de mortes aumentando.

O estado atual de explosão dos casos nos EUA se deve muito ao fato da negação inicial do presidente Trump ao perigo da pandemia, que pode ter comprometido a mitigação do espalhamento do vírus por todo território. O governo teve de mudar seu comportamento atuando de forma mais coerente, delegando aos cientistas e médicos as tomadas de decisões, mesmo algumas vezes sendo contraditórias os discursos.

Mas continua sendo muito criticado por não ter uma postura única para todo o país no enfrentamento da crise, causando alguns problemas nos estados na busca por recursos e na falta de apoio do governo federal. Por outro lado, são admiráveis os esforços do presidente em articular ações entre o poder público e a iniciativa privada.

Na busca pela amenização dos impactos econômicos e na vida das pessoas, linhas de crédito foram anunciadas, disponibilizando aos empresários financiamentos subsidiados, apesar de ainda não estarem muito claros os processos de captação destes recursos. O dinheiro deve estar disponível para a maioria das pessoas e empresas nos próximos quinze dias.

Mas o mais importante a se observar é o espírito de colaboração. Um país reconhecido por ter um povo individualista, frio, passa a ser instigado a demonstrar empatia, solidariedade e assistencialismo e, o mais interessante, conseguindo reunir todos em torno de um mesmo objetivo.

Críticas sempre existirão obviamente, a democracia permite este comportamento. Mas, talvez seja possível entender por que uma nação se torna desenvolvida e outras, não.

O objetivo de salvar o país de um inimigo invisível, o comprometimento e o positivismo, são comuns a todos, mesmo sabendo que irá custar muito caro economicamente ao país, com alguns empreendimentos fechando, mas que poderão abrir novamente. Ou seja, quebrar, começar de novo, reiniciar um negócio, partir do zero novamente, é uma característica de um povo empreendedor que pode, assim, ser considerado patriota.

Que tem o patriotismo como valor, e não como lema. Independentemente de suas lideranças, a bandeira que está exposta na frente de muitas casas de democratas e republicanos não é somente parte da decoração externa, bem como não é sinal de apoio a políticos.

Talvez o segredo esteja no juramento à bandeira, que praticamente todos aqui sabem recitar, pois aprendem desde os anos iniciais da escola, que determina ser leal à sua bandeira, à república e a uma nação indivisível com liberdade e justiça para todos, sendo isso realmente observável na grande maioria dos cidadãos de todos os níveis e não somente uma frase de efeito.

Enfim, muita coisa ainda vai ficar desta experiência humana. Perguntas ficarão em aberto com várias possibilidades de resposta com relação ao valor dos serviços públicos, à importância e ao papel do Estado, à relevância das Ciências e dos fatos como guias nas tomadas de decisões e que a competência das lideranças é muito mais importante do que os debates políticos sem fim, polarizados.

Rafael de Lucena Perini já atuou como empreendedor no setor de chocolates em Caxias do Sul por 10 anos. Bolsista no Doutorado em Administração de Empresas na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e professor licenciado do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), atualmente é pesquisador visitante da Wayne State University, em Detroit. Dedica sua pesquisa a temas relacionados ao desenvolvimento nas cidades.

e-mail:perini.usa@gmail.com