Este texto traz à luz um dos mistérios mais intrigantes da Justiça do Trabalho: a responsabilidade do sócio retirante por dívidas trabalhistas. Aparentemente, uma questão que, desde os primórdios das sociedades empresariais, parece destinada a perpetuar debates e, claro, muita dor de cabeça para aqueles que, em algum momento, decidiram pendurar as chuteiras empresariais.
Imaginem a cena: a empresa está em apuros, a fase de execução judicial se arrasta, e a busca pelos bens da pessoa jurídica é tão frutífera quanto procurar uma agulha no palheiro. É nesse exato momento que surge a figura mítica do sócio retirante. Ele, que já havia saído de cena, é chamado de volta ao palco para responder pelas dívidas da companhia. Será que alguém aí consegue sentir o drama?
A CLT, sempre a nossa velha conhecida, resolveu colocar mais pimenta no caldeirão ao introduzir o artigo 10-A através da Lei 13.467/2017. Ah, a reforma trabalhista, sempre tão generosa em suas inovações! Agora, o sócio retirante pode ser chamado a responder de forma subsidiária, mas não sem antes uma procissão de preferências: primeiro a empresa devedora, depois os sócios atuais e, finalmente, o retirante. E se houver fraude, então a responsabilidade é solidária. Nada mais justo, não é mesmo? Afinal, se tem fraude, tem de pagar. Quem mandou sair da empresa e deixar rastros?
O Código Civil também dá sua contribuição com os artigos 1.003 e 1.032, estipulando um prazo de até dois anos após a saída do sócio para que ele possa ser responsabilizado. Um verdadeiro brinde à nossa memória jurídica: dois anos para que alguém possa lembrar que você, caro ex-sócio, ainda tem dívidas a responder.
E se não fosse suficiente a CLT e o Código Civil, temos ainda os ensinamentos doutrinários que nos lembram da importância do patrimônio do ex-sócio nas execuções trabalhistas. É quase poético imaginar o sócio retirante, que provavelmente já desfruta de sua aposentadoria em uma praia paradisíaca, sendo trazido de volta à realidade das salas de audiências e despachos judiciais.
Antes da reforma trabalhista, o cenário era uma verdadeira batalha campal: discussões sem fim sobre a data da retirada do sócio, a prestação de serviços e a responsabilidade solidária ou subsidiária. Um verdadeiro circo jurídico que, de certo modo, trouxe emoção às nossas rotinas forenses.
Mas, como a lei é um ser em constante evolução, o artigo 10-A da CLT veio para organizar a bagunça, estabelecendo uma ordem clara para a inclusão dos sócios no polo passivo da execução. Primeiro os sócios atuais, depois os retirantes. E claro, tudo isso devidamente regulamentado pelo IDPJ, o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.
E assim seguimos, com a certeza de que a responsabilidade do sócio retirante continuará sendo um tema apaixonante na Justiça do Trabalho. Um verdadeiro enigma que, enquanto existir, continuará a proporcionar debates acalorados, teses brilhantes e, acima de tudo, muita, mas muita ironia. Afinal, quem disse que sair de uma empresa seria o fim dos seus problemas?
Até a próxima crônica, onde talvez falemos sobre as maravilhas de ser um sócio atual. Porque, convenhamos, ser sócio retirante não parece ser lá grande coisa.
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.
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