Na série de visitas que venho fazendo neste tempo de distanciamento social, usando o veículo das leituras, encontrei outro mestre querido: Paul Verlaine (1844-1896). Jean Richer escreveu sua biografia, num relato que daria uma série de filmes dramáticos.
Verlaine foi para mim um mestre da poesia, mais que das ideias. Sua lição principal se tornou quase um aforismo: “La poésie c’est de la musique avant toute chose” Em português: “a poesia é música antes de mais nada”. Foi com ele que aprendi que a poesia deve soar bem nos ouvidos, mesmo quando lida em silêncio. Foi seguindo essa receita que traduzi Petrarca, entre outros poetas.
Uma das marcas da poesia de Verlaine é o modo inebriante com que canta o outono. Talvez seu poema mais conhecido seja precisamente a "Chanson d’Automne”, que vários no Brasil já tentaram traduzir. Minha tentativa é esta:
Os soluços longos
Dos violões
Do outono
Dão-me uma dor
De um langor
No mesmo tom.
Não é tradução literal, mas que tenta reconstituir a “música antes de mais nada”, composta por ele.
Paul Verlaine, mestre da poesia
No livro Matrícula, do qual participei em 1967 com quatro poetas amigos, incluí um poema sobre o outono. Imaginem se não foi por influência de Verlaine!:
Pomares, torres e unhas
tudo amarelecendo;
é o sol de outono a chegar
é o abril pálido e sereno.
Estive em Paris num outono e fiquei encantado. Não sei se continua assim, mas as folhas de outono eram deixadas onde caíam, debaixo das árvores, ao longo dos bulevares e avenidas. Em memória de Verlaine, pensei na ocasião. Para ele, as folhas caídas, levadas pelo vento, fazem lembrar os dias que se passaram e, portanto, não devem ser eliminadas.
O charme das folhas secas em Paris, no outono
Em minha poesia reunida, publicada com o título de Mapa de Viagem (2000), incluí outro poema com o título de Outono. Nele retorno à lição verlainiana, fazendo uma reflexão sobre a vida. Como estamos às vésperas de um início de outono, tomo a liberdade de reproduzir aqui integralmente todo o poema.
OUTONO
Nos trópicos sem outono,
o outono é apenas rima
de abandono e sono,
é cartão de turista,
vangogue vão, mero tópico
de conversas, faits-divers e versos.
Sem outono, como vão
teus olhos claramente ver
como é uniforme o verão,
e cansativo seu verde sempre igual,
sem o tom das folhas que rodam
no giro das estações?
Como sabes, sem outono,
qual o rumo da vida?
Irás de surpresa para o reino
das sombras, não sabendo,
presa ingênua, do teu fim.
Ir para as sombras, sim,
mas sabendo pelo sinais
quando a hora se aproxima
dos frutos maduros e dourados.
E sabendo-se a hora,
poder concentrar-se no sumo
- como o fruto, o pão assado –
cientes de que tudo,
quando doura, ao limite
de si e de sua grandeza
é afinal chegado.
É a hora madura
em que a pessoa a si mesma saboreia,
sem afogo, em fogo lento,
que de ouro incendeia
os pomos do pomar
e a alma do almo corpo.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar
pozenato@terra.com.br
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