Heinrich Bunse, um estudioso das línguas de imigração no Rio Grande do Sul, ao escrever sobre os dialetos italianos, por ocasião do centenário da imigração, descreve o ambiente das colônias sinalizando a forte marca do empreendedorismo, trazida pelos imigrantes, nestes termos:
Recrutados os futuros colonos na região do vale do Pó, nas cidades industriais e nas áreas rurais vizinhas, incluíam elas artesãos e agricultores. Acostumados a viver num sistema econômico caracterizado por uma diversificação de produção, trouxeram consigo tanto o preparo como os incentivos para progredir na futura colônia, tirando vantagem dessa situação. (UFRGS, Instituto de Letras, 1975).
Os dados numéricos registrados ao longo de mais de um século dão a dimensão de quanto foi importante a marca do empreendedorismo na cultura do imigrante italiano.
Em 1º de junho de 1910, para comemorar a chegada do trem, o jornal O Brazil, (semanário caxiense fundado em 1909, que pode ser consultado no arquivo digital da Biblioteca Nacional), sob o título de “Salve, Caxias”, noticiava com toda a pompa as conquistas “deste povo laborioso”, e enumerava as empresas em atividade no município:
Existem no município [...] 150 casas comerciais de fazenda, miudezas, ferragens e louças; 160 alambiques e 10 engenhos de cana para a fabricação de graspa e aguardente; 71 moinhos, dos quais 6 a vapor; 15 curtumes; 38 serrarias, sendo 17 a vapor; 173 oficinas, 6 olarias, 1 fábrica de pólvora, 2 de pós inseticidas, diversas de mobílias de vime, 1 de tecidos de seda e outra, de relativa importância, de tecidos de lã e algodão, movidos a força hidráulica.
Para complementar a riqueza dessas atividades industriais, o jornal acrescentava ainda a rica variedade do comércio e dos serviços:
Há na vila 50 casas comerciais, 3 farmácias, 10 padarias, 2 confeitarias, 2 fábricas de moer café, 2 de massas alimentícias, 5 cafés com 8 bilhares, quatro hotéis, 1 casa de pensão, várias casas de pasto, 2 fábricas de cerveja, 3 relojoarias, 2 ateliers fotográficos, barbearias, engraxaterias, 1 atelier de escultura, 1 livraria, 2 oficinas de encadernação, 1 tipografia, 2 oficinas metalúrgicas, 4 importantes estabelecimentos vinícolas, etc.
E arrematava com este prenúncio:
Novas trilhas se vão abrir, com a inauguração da via-férrea, à prosperidade econômica da terra caxiense.
Entre as “ferragens” produzidas, a maioria era de ferramentas para a produção agrícola, de componentes para o transporte por meio de animais e de carretas, além de artigos para cozinha. Mas havia também quem produzia espingardas e cartuchos, numa época em que a caça era ainda um meio de subsistência.
Por ocasião do cinquentenário da imigração, em 1925, houve uma exposição de produtos industriais de toda a região colonial italiana no parque Menino Deus, em Porto Alegre. No álbum comemorativo dessa data, foram elencados os seguintes números da cidade de Caxias:
- no setor de serviços, havia 207 empresas; no setor industrial, 240, mais 326 no setor de comércio;
Muitos desses empreendimentos não passavam de “fábricas de porão”, como se dizia na época, bem antes da grande expansão industrial. Em pequenas ou grandes empresas, o fato é que a febre do empreendedorismo nunca baixou na história de Caxias do Sul e da região.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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