O Augusto, leitor amigo meu, propôs um cálculo.
Estamos com quarenta anos. Se lermos, em média, um livro por mês, até os nossos setenta vamos ler 360 livros. Isso sendo otimistas. Melhor arredondar pra trezentos, considerando os meses em que, por alguma razão infeliz, não leremos nosso livro mensal.
Nesse cálculo, estão incluídos os livros que precisamos reler, que são os principais. Então o Augusto catou uns poemas do Borges declamados na internet e ficou ouvindo enquanto lavava a louça, pra ganhar tempo pelos ouvidos, lembrando que o próprio Borges, aos 55 anos, ficou cego.
Imagina só, me disse ele. Dos quarenta aos 55 são apenas quinze anos… Apenas 150 livros.
Tem que ler o que queremos levar para o outro mundo, concluí com o Augusto. E ler o que vai nos levar para o outro mundo. Acho que é esse o critério.
Aos quarenta anos, é provável que a gente já tenha noção do que precisa de fato estar na nossa mala para a transcendência. Deve ser uma mistura entre as obras que sempre nos acompanham e aquelas que parecem ser um meio de transporte pra eternidade.
Não convém levar um bagageiro inteiro para o além. Chega lá, o Grande Bibliotecário vai te barrar na entrada dizendo “Sério? O Borges mesmo apareceu aqui só com o Quixote e o Martín Fierro…”
Fiquei pensando que esse cálculo vale também para os escritores. Se um leitor, com sorte, tem tempo de ler uns setecentos livros na vida, por que algum escritor contemporâneo poderia achar que sua obra seria digna de constar nessa lista?
Daí eu ia citar aqui uns livros que estão na minha mochila, começando pelos contos do Anton Tchekhov. Só que acabei vendo sem querer que ele morreu aos 44 anos… Já pensou? Só me restaria tempo pra ler quarenta livros!
Vou lá.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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