No labirinto da Justiça, onde a verdade e a equidade deveriam prevalecer, algumas empresas encontraram maneiras de distorcer os propósitos do sistema judicial. Essa prática, conhecida como litigância predatória, representa um grave desafio, especialmente no campo do Direito do Trabalho.
Mas o que exatamente é a litigância predatória? Trata-se de uma estratégia perversa em que o processo legal é usado de forma abusiva e manipuladora. Empresas, muitas vezes com grande poder econômico e jurídico, utilizam brechas e procedimentos legais não para buscar justiça, mas para prejudicar o adversário ou obter vantagens ilícitas. Essa prática subverte os princípios de boa-fé, cooperação processual e integridade, pilares que deveriam sustentar qualquer processo judicial.
No ambiente trabalhista, essa prática assume formas particularmente cruéis. Empresas envolvidas em litigância predatória, por exemplo, podem apresentar uma quantidade excessiva de ações judiciais sem fundamento sólido, ou mesmo distorcer fatos e provas, tudo com o objetivo de atrasar ao máximo a resolução de um caso. Essas empresas sabem que, ao prolongar o litígio, podem desgastar os trabalhadores, tanto financeira quanto emocionalmente, forçando-os a aceitar acordos desfavoráveis.
Um dos métodos mais comuns é o chamado dumping social. Nesse contexto, uma empresa pode adotar práticas ilegais, como não pagar corretamente seus funcionários ou não respeitar direitos trabalhistas básicos, apostando que, se os trabalhadores tentarem buscar reparação judicial, o processo será longo, caro e exaustivo. Enquanto isso, a empresa se beneficia economicamente ao postergar o pagamento de suas obrigações, muitas vezes gerando uma vantagem competitiva desleal sobre concorrentes que seguem as regras.
Outro exemplo de litigância predatória é a multiplicação de ações judiciais similares por um mesmo autor, ou mesmo por várias empresas de um mesmo grupo econômico, contra um único réu. Essa tática visa sobrecarregar a defesa do trabalhador ou do advogado da outra parte, aumentando as chances de obter uma decisão favorável por cansaço ou erro processual.
Para combater esse problema, algumas regiões têm tomado medidas importantes. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, por exemplo, publicou uma Nota Técnica que não só identifica a litigância predatória como também propõe estratégias para combatê-la. Essas estratégias incluem a capacitação de juízes e advogados para reconhecer e lidar com essas práticas abusivas, bem como a implementação de sistemas de monitoramento que detectem essas ações logo no início.
Essas medidas são essenciais, mas o combate à litigância predatória precisa ir além. É necessário promover uma cultura de litigância responsável, em que empresas e advogados sejam incentivados a agir de maneira ética e justa. Isso pode incluir desde campanhas de conscientização até a adoção de sanções rigorosas para aqueles que se engajam nessas práticas.
O maior perigo da litigância predatória é a erosão da confiança pública na justiça. Quando as pessoas começam a acreditar que o sistema judicial pode ser manipulado por aqueles que têm mais recursos, a própria ideia de justiça é colocada em risco. É por isso que é tão crucial que o Judiciário, os advogados e a sociedade em geral estejam vigilantes e prontos para agir contra essa ameaça.
Assim, a litigância predatória não é apenas uma questão legal ou técnica. É uma questão de ética e de cidadania. Se permitirmos que essas práticas continuem, estaremos permitindo que a justiça se torne uma ferramenta de opressão, ao invés de um meio para alcançar a verdade e a equidade.
É nosso dever, como operadores do direito, garantir que a justiça permaneça íntegra e acessível a todos. E isso começa com o reconhecimento e o combate firme à litigância predatória, antes que ela corroa os alicerces do sistema que fomos chamados a proteger.
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.
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