Eis que me pego, após 90 dias em um novo país, em uma situação inusitada, o mundo parou! Estamos observando, analisando e nos cuidando para, com isso, aprender com esta experiência. Está sendo um momento como professor, acadêmico e pesquisadorde analisar esta situação de vários ângulos, todos sob o viés da importância da valorização da educação, da ciência e da pesquisa, em todas as áreas, pois é possível nesta situação atual visualizarmos a ciência mais pesada, da área médica, da química, da biologia sendo essencial para solucionar problemas gravíssimos. Na área das ciências sociais aplicadas, também é possível observar o movimento na sociedade em busca de soluções de problemas reais com a análise do comportamento dos entes que fazem parte da nossa sociedade: Governo, Empresas e Universidades.
Essa situação está colocando à prova muita coisa, e muitas dessas situações são relacionadas com temas que venho analisando e pesquisando como inovação, conhecimento, desenvolvimento e sustentabilidade. A forma de agir e a tomada de decisões podem ser os maiores aprendizados deste momento de crise mundial. Falo pela experiência daqui, dos Estados Unidos, principalmente. O primeiro momento foi de descrédito quanto a iminência de uma crise de saúde pública e econômica, alegando-se não passar de uma enganação. A partir do momento em que foram confirmadas as primeiras mortes e o altíssimo potencial de contaminação do vírus COVID-19, o presidente dos EUA, Donald Trump, passou a tratar com muito mais seriedade o tema, o que, segundo a crítica local, foi mais tarde do que deveria. O presidente montou uma equipe, que, conforme ele, reúne os melhores do mundo, Doutores, Cientistas, Pesquisadores de extrema relevância e impacto na ciência dos EUA, o que acredito ser verdade em função de uma breve análise dos seus currículos.
As tomadas de decisões estratégicas são baseadas em modelos estruturais e estatística, ou seja, a pesquisa e a ciência nunca foram tão expostas e nunca se depositou tanta esperança nelas para solucionar um problema de ordem mundial como neste momento. Em uma das últimas coletivas de imprensa aqui, uma pesquisadora reforçou que: “Aqui somos direcionados por dados”, ou Data Driven. Mas, claro, sozinho não se faz nada. Foram chamadas para a conversa as empresas, o setor privado, gigantes internacionais como Walmart, Target, Wallgreens, Amazon, Google, os laboratórios privados entre outras empresas para participarem de uma equipe de aproximadamente 40 pessoas coordenada pela equipe do governo.
A análise dos dados disponibilizados pelos países em todo o mundo revela que, talvez, o ponto crucial de ataque ao surto do vírus seria na capacidade de realização de testes em massa. Para isto, a equipe formada por empresas e governo definiu ações integradas por todo o país, como a disponibilização dos estacionamentos dos grandes varejistas para montagem de uma estrutura de drive-trought para a coleta dos exames, sem a pessoa sair do carro, evitando assim a aglomeração de pessoas nas unidades de saúde, limitando as formas de propagação do vírus.
Os laboratórios em todo país se comprometeram a coletar e realizar os exames de forma rápida. As empresas farmacêuticas disponibilizaram suas estruturas para produção dos kits de testes. Até o momento foram realizados aproximadamente 45.000 testes em todo o país. Claro, sabemos que o interesse econômico ainda existe, que algumas empresas irão lucrar muito neste período, mas o esforço e o espírito de cooperação em aceitar trabalhar em conjunto é admirável. Inclusive cogita-se as grandes montadoras utilizarem seu parque fabril para a produção de equipamentos hospitalares. Esta atitude é muito significativa, principalmente aqui em Detroit, tendo em vista que, na Segunda Guerra Mundial, as fábricas de automóveis daqui foram todas utilizadas para fabricar armamentos e tanques de guerra, sendo considerada na época a cidade do “arsenal da democracia”, agora fabricando equipamentos que salvam vidas.
As três grandes montadoras GM, Ford e FCA (Fiat Chrysler Automobiles) estão revendo seu funcionamento e já autorizaram o home working e também anunciaram o fechamento das suas fábricas até o final de março, em todo o país. Quanto aos pequenos empreendimentos, estão buscando alternativas, como tele-entrega, drive thru entre outros.
Quanto ao governo, está correndo atrás, com muitas críticas em função da inércia inicial, por não ter tomado algumas decisões, mas está fazendo sua parte, desburocratizando alguns processos de aquisição de material e equipamentos médicos, está programando lançar uma linha de crédito especial para pequenas empresas que estão sofrendo muito com a falta de clientes e vai mandar um cheque de aproximadamente US$ 1.000,00 para a casas das famílias de baixa renda que na sua grande maioria trabalham por hora e não possuem licença-saúde ou seja, não foi trabalhar, não recebe.
Neste momento é possível ver a teoria sendo aplicada na prática e de forma muito dinâmica as já conhecidas Hélices da Inovação estão aí para realmente inovar e com isso auxiliar o desenvolvimento e solucionar problemas. A Academia com a ciência, por meio das pesquisas, do tratamento de dados que servem de base para todas tomadas de decisão e do desenvolvimento de novos tratamentos e remédios; o setor privado, as Indústrias, colaborando com estrutura, know-how de alta tecnologia e direcionamento de produção para itens essenciais, deixando de lado por um tempo a concorrência acirrada;e o Governo, com sua função de organizar e gerenciar toda a situação, incentivando pesquisas, desburocratizando processos e procurando exercer seu principal papel, que é primar pela qualidade de vida do cidadão e o seu bem estar, nem que para isso tenha que abrir mão de alguns princípios ideológicos tradicionais, para auxiliar de forma assistencial seu cidadão ou suas empresas.
Enfim, o impacto desta pandemia na vida das pessoas, por todo o mundo, está sendo muito grande, e deve mudar a forma com que pensamos nossas vidas. Há quem diga já que teremos uma divisão em dois períodos, AC (Antes do Coronavirus) e DC (Depois do Coronavirus) no modelo de consumo, nas relações trabalhistas, nas funções do estado, enfim, ideais que até semanas atrás eram definitivos serão os mesmos depois desta grande crise? Ninguém sabe. O que se sabe é que um período de confinamento nos leva a reconhecer nossas fragilidades e valorizar o que deve ser valorizado, e a única certeza que temos é que aprenderemos muito com tudo isso e que nunca a inovação e suas Hélices foram tão presentes e importantes neste momento, com a academia, governo e indústria trabalhando de forma integrada. Esta pode ser a maior lição, iremos inovar quando a pesquisa e a ciência forem valorizadas como devem ser, tendo a educação como base para resolver os grandes problemas da humanidade.
Finalizando o texto, assisti ao vivo o pronunciamento do governo dos EUA anunciando os primeiros testes de um medicamento promissor para tratar o coronavirus, em tempo recorde na história. VAI CIÊNCIA!!!
* Rafael de Lucena Perini já atuou como empreendedor no setor de chocolates em Caxias do Sul por 10 anos. Bolsista no Doutorado em Administração de Empresas na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e professor licenciado do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), atualmente é pesquisador visitante da Wayne State University, em Detroit. Dedica sua pesquisa a temas relacionados ao desenvolvimento nas cidades.
e-mail: perini.usa@gmail.com