Ofícios e fazeres característicos de um período ainda pré-industrial foram trazidos pelos imigrantes vindos do Norte da Itália. Entre esses ofícios estavam o da moagem de grãos, o da destilação, o da fabricação de queijos, os ofícios da madeira, como a marcenaria e a carpintaria.
Mais importante que todos, porque determinante dos demais, foram os ofícios da forjaria e da ferraria, responsáveis pela produção das ferramentas agrícolas e dos implementos para o transporte, como as carretas e carroças. Moinhos, alambiques, queijaria, marcenaria, fabricação de carretas, tudo dependia do ofício do fabro ferraio.
Por essa razão, em regiões como a de Trento, houve época em que os ferreiros eram proibidos de trabalhar fora de seu paese e mesmo de migrar, tal a importância atribuída a seus conhecimentos, que eram transmitidos rigorosamente dentro da própria família, como segredo industrial. Essa concepção da importância desse e de outros ofícios foi transplantada para todas as colônias italianas da Serra - com os imigrantes, grande parte deles procedente precisamente da região de Trento.
O fato de a indústria metal-mecânica ter se tornado o carro-chefe da produção industrial das cidades oriundas da imigração italiana, como Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Garibaldi e outras, tem suas raízes nessa tradição.
Conheci, durante uma pesquisa, um dos últimos representantes do ofício de ferreiro em Santa Tereza, pequena cidade histórica entre Garibaldi e Bento Gonçalves. O nome dele é Ivanor Abramo Caumo, e se dispôs a contar a sua história e a mostrar, ao vivo, a sua habilidade na bigorna.
Sua família emigrou de Trento trazendo os conhecimentos da profissão. Seu avô e seu pai, além de ferramentas, faziam também carroças e carretas. Mas a produção maior se concentrou na produção de ferramentas agrícolas, das quais deu uma lista:
- arado para lavrar a terra
- foicinha para o corte manual do trigo;
- gadanho de cortar o feno;
- machado para derrubar árvores e fazer lenha;
- machadinha para falquejar madeira;
- a vanga, ou pá, para cavar buracos, abrir valetas, fazer canteiros na horta e outras coisas mais;
- a máquina de plantar milho;
- mais a enxada, a cavadeira, o ancinho, o enxadão, a picareta, o estribo para os arreios, a ferradura, e assim por diante...
Caumo conta que iniciou seu aprendizado com o avô:
“Eu tinha oito, dez anos, eu era pequeno, e meu avô precisava de alguém que batesse a marreta pra ele, porque era tudo manual. Então, eu botava uma caixa no chão, subia na caixa pra ficar um pouco mais alto e bater na bigorna pra ele. Eu comecei a gostar daquilo. Com o tempo fui aprendendo, vendo como se fazia... Uma profissão a gente nunca aprende que chega! Sempre tem alguma coisa nova pra aprender. E isso é muito interessante!”.
Muita coisa mudou com o tempo: o tipo de material utilizado, as ferramentas de trabalho:
“Antigamente era o martelete, era o pica-pau, hoje eu tenho o martelo pneumático; meu avô trabalhava a carvão, eu já não uso carvão, trabalho com óleo. Mudei um pouco a coisa...”.
Numa coisa a tradição não mudou: a obrigação de fazer bem feito o que se faz. Disso o ferreiro Caumo se declarou orgulhoso: nunca alguém voltou para reclamar de uma ferramenta quebrada, de uma foice sem fio, de uma ferradura torta... Essa sempre foi a marca de seu trabalho:
“Fazer bem feito é uma coisa que te deixa com tranquilidade. E com orgulho de poder dizer: eu estou contente com o que estou fazendo, porque acho que estou fazendo uma coisa perfeita, que é aquilo que eu quero...”
E, para concluir, Caumo deu uma lição sobre o que é preciso, no seu oficio, para produzir uma coisa bem feita: fazer a ságoma. Traduzindo do italiano: respeitar o modelo projetado, em sua forma estética e funcional.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.
pozenato@terra.com.br
Do mesmo autor, leia outro texto AQUI