Caxias do Sul 23/11/2024

A folie dos amantes

Tanto na literatura quanto na vida real, o adultério feminino segue cercado de tabus
Produzido por Marilia Frosi Galvão, 10/09/2023 às 17:45:03
Marilia Frosi Galvão é professora, escritora e cronista
Foto: Claudia Haupt

POR MARILIA FROSI GALVÃO

Dia desses, concluí a leitura de um romance empolgante. Daqueles que a gente fica com pena de parar de sentir as emoções e fica “alongando” a leitura das últimas páginas. O fim de um livro bom. Isso mesmo: “Longamente” é o título desse livro de Erik Orsenna, escritor francês, membro da Academia Francesa de Letras. O tema – uma longa e sofisticada história de amor entre pessoas maduras – ou – uma espécie de arte de viver o adultério.

(Marilia – explica melhor. Com o que então – arte de viver o adultério?!?)

Elisabeth e Gabriel vivem uma história que se expande por muitos anos, como uma lenda, com esforço para manter a paixão, entre restaurantes, hotéis, casas de campo e vinhos. Basicamente, o cenário dessa paixão é em Paris, porém, pelos compromissos profissionais de Elisabeth, eles, os amantes, encontraram-se na Inglaterra, na Bélgica e na China. Quem narra a história é Gabriel – separado de sua esposa e sempre de prontidão à espera de Elisabeth – que não abriu mão do marido e dos filhos. Gabriel, não o anjo, mas um homem que nós mulheres gostaríamos de encontrar (eu, pelo menos), era como se tivesse asas, Gabriel – livre – risonho – poético e viajante – olhos cinzentos, azuis em dias de sol. Ele próprio definiu a narração assim: “E no entanto vou tratar de amor, nada mais que de amor, quarenta anos de um amor louco”. (pág.10)

(E então, Marilia?!?)

Ah, pois, essa relação proibida-adúltera-perturbadora, ou maravilhosa e gratificante, manteve-se pela criatividade dos amantes, e me tocou pelo inusitado: justo o contrário de muitas histórias de adultério, as quais, tanto na vida real quanto na ficção literária, quase sempre tiveram/têm consequências funestas ou finais trágicos e surpreendentes.

Adepta da leitura e releitura de clássicos – os quais me surpreendem a cada nova leitura –, creio ter compreendido o porquê de serem assim denominados – clássicos. Não se esgotam. E, os que ousaram apresentar personagens adúlteros – especialmente as personagens mulheres –, foram alvo de censura e alguns pararam nos tribunais, nos séculos XIX e, pasmem – XX também.

Desde a Grécia antiga, o tema adultério da mulher, ou infidelidade, ou traição – até a atualidade, é um tema bastante explorado nas artes como a literatura, o teatro, o cinema. Engraçado. Este tema polêmico era mais grave se praticado pela mulher. Sempre houve arbitrariedades contra a mulher. Quanto ao homem, a lei até o protegia, enfim, as leis foram feitas para dar vantagens ao marido traído. O termo jurídico para adultério é = ad alterum torum = na cama do outro.

Assim, reafirmo com convicção: o adultério como tema na ficção nos dias de hoje, ainda causa algum interesse – algum. Ou porque a vida real seja mais impactante que a ficção. Ou porque deixou de ser tabu. Ou porque não é mais considerado crime pela legislação, uma vez que haja um acordo e a parte ofendida queira uma indenização.

(Ah, Marilia, que chato isso, volta para a literatura clássica que enfoca essa folie!!!)

Elas amaram, amaram, amaram... foram transgressoras, praticaram o escândalo (estavam escondidas em um casamento “feliz”) e se revoltaram – abaixo a função dada a elas como ornamental e fútil. Elas foram contraditórias. Elas quiseram romper a apatia dos dias. Elas deixaram florescer o que estava recalcado – o sonho e os desejos de serem tratadas com respeito e amor. Elas se entregaram e amaram o impossível, pois estavam presas ao casamento “indissolúvel” – “até que a morte os separe”. Em uma época de preconceitos. Elas desejavam uma “quentura” – um “aconchego” – que não experimentavam no casamento. Elas queriam amar como um dia de sol – mas, frustradas, pelos maridos “nublados”.

É!!! A tal ambiguidade feminina!!

(Ah, tá! Mas quem são Elas?!?)

Sempre afirmo e reafirmo que a literatura nos salva, me salva. Dessa forma tenho vivido mil vidas e mil mortes. Ou muito mais. Senti na pele o que elas sentiram, no riso e na dor e me tornei muitas...

Elas (algumas) – Anna Karênina – personagem central do romance homônimo – de Léon Tolstói – aristocrata russa – vive um caso extra-conjugal. Enfrenta enorme peso de inseguranças e solidão em uma sociedade rodeada por hipocrisias. Parecia ter tudo para ser feliz: beleza, riqueza, um marido e um filho. Mas... para ela a sensação de vazio só desapareceu quando conheceu o Conde Vronsky – seu amante.

Capitu – a protagonista do romance “Dom Casmurro” de Machado de Assis – nosso escritor maior. Mulher avassaladora, complexa, bela, transborda personalidade e beleza. Os seus “olhos de cigana dissimulada” ou “olhos de ressaca”, como o narrador da história define (o marido) – tornou-se uma eterna marca na história da literatura brasileira. Pela época do romance, era um absurdo o adultério e a exploração da sensualidade feminina. Afinal, só o gênio de Machado para deixar a dúvida no leitor. Afinal, Capitu traiu ou não traiu?

E há outras, outras, e ainda outras. Lembro da Emma Bovary – personagem que me impressionou muito. Do romance “Madame Bovary” de Gustave Flaubert. Gostei também da Luiza – do romance “O Primo Basílio” de Eça de Queirós. E bati palmas para a Constance, da obra “O amante de Lady Chaterley” de D. H. Lawrence. Uma linda história de amor. E a Estela, do romance de Andradina de Oliveira – intitulado “O Perdão”, que ousou tratar dessa temática desconfortável: casamento x adultério feminino x anseio por liberdade x histeria pelo sentimento de culpa x negação da subjetividade da mulher. Adivinhem? A autora e sua obra foram silenciadas.

A Lara – no romance “Doutor Jivago” de Boris Pasternak. E...

Elas... ainda há muitas. Na ficção.

(E na realidade, convenhamos, Marilia, o adultério acontece e corre solto sob a forma de outros nomes – crush – affairs – serial/lovers – amizade colorida... Olha ao teu redor!!!)

Ao enfocar o tema adultério – a folie dos amantes –, meu entusiasmo pela performance das heroínas-adúlteras na ficção não representa a defesa do adultério, pois as consequências são nefastas. Porém, não há como não perceber a genialidade dos escritores ao criarem personagens femininas tão complexas, fortes, determinadas a ir em busca de um sentido em suas vidas, dispostas a transgredir normas e confrontar uma sociedade em nome do amor.

Na vida real, abstenho-me de julgar. Só observo.

Acatando a sugestão de minha questionadora – olhei ao meu redor.

Importante lembrar que esse tema tem sido constante nas artes.

E na vida real, deve-se associar o adultério descoberto/exposto ao perdão? Ou o adultério é inadmissível e imperdoável?

Então, olhei ao meu redor e vi, e conto, sem nomes, ninguém saberá, são apenas fruto de minhas observações – próximas e distantes.

Na maioria dos casos de adultério não há perdão. A relação do casal se deteriora e ocorre a separação - o divórcio. Por exemplo:

Caso A - Parece o filme “Fim de Caso” – nesse filme o marido sabe da traição, mas ele ama tanto a esposa, que ele aceita que ela tenha um amante. No caso real, ele tem dúvidas, desconfianças. Um amigo aconselha: Deixa assim, quem procura acha. Tem as crianças.

Pergunta - Até quando??

Outros casos: B – C – D – E - F – G – H e haveria tantos outros mais. Como não quero ser indiscreta, vai que alguém que não tenha nada a ver, mas se identifique no caso citado, será complicado.

Porém, em respeito ao meu leitor e leitora, dos 8 “casos” ou casais que observei, concluí: 3 – até quando? 2 – houve perdão (não acredito) 3 – sem perdão - divórcio.

Na literatura – as adúlteras foram castigadas de alguma forma trágica – separação, condenação pela sociedade e até suicídio.

Na vida real, convenhamos – “Felizes para sempre” – só nos contos de fadas.

Não há sentido em denunciar a infidelidade de amigos, seja contra ou “a favor”. É invasão de privacidade.

Nos relacionamentos há frustrações e adversidades – o casal deve assumir junto.

Perdoar ou não a “traição” é uma decisão pessoal corajosa.

Portanto, esse tema abala vidas e famílias, tanto na ficção, quanto na realidade. Que tal, “eu os declaro casados, enquanto for possível!!” ?!

Pode beijar a noiva!!! Longamente!!!

Marilia Frosi Galvão é professora, escritora e cronista.

mail galvao.marilia@hotmail.com

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