O conceito de mercado de créditos de carbono emergiu na década de 1960 como um mecanismo para distribuir as emissões excedentes de gases de efeito estufa (GEE) provenientes de empresas poluentes. Sua finalidade inicial era fomentar a redução de emissões com a máxima eficiência de custos.
Ao longo do tempo, essa abordagem evoluiu e foi considerada por muitos como uma possível solução para a questão do aquecimento global. O ápice desse movimento ocorreu após a implementação do Protocolo de Quioto, em 1997, hoje substituído pelo Acordo de Paris, adotado em 2015, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21).
A obtenção dos créditos de carbono está diretamente relacionada às políticas internas de um país e seu empenho em promover ações que visem à redução do efeito estufa. Um crédito de carbono representa uma tonelada de dióxido de carbono que deixou de ser emitida para a atmosfera. Ou seja, para adquirir esses créditos, o país precisa promover ações de cunho sustentável, como a redução dos níveis de desmatamento, utilização de energia limpa de fontes sustentáveis, criação de políticas que incentivem suas empresas e indústrias a reduzirem a emissão de gases poluentes, entre outras.
No contexto do mercado de poluentes, é estipulado um limite para a emissão de gases, o que implica que, para um agente poluir, outro deve reduzir suas emissões ou implementar medidas de controle ambiental. Essa discrepância nos interesses e nas taxas de emissão de poluentes abre espaço para a comercialização dessas emissões. Dessa forma, quando um país ultrapassa sua meta de redução de carbono, a certificação, ou seja, o crédito de carbono, transforma-se em uma espécie de moeda que pode ser comercializada com outros países que não alcançaram seus objetivos de redução de carbono.
Acordos internacionais e
as regulamentações brasileiras
O Protocolo de Quioto surgiu com o intuito de impor compromissos reais para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Conforme o tratado, os países desenvolvidos, em conjunto, deveriam reduzir suas emissões de GEE em pelo menos 5% até 2012 em relação aos níveis de 1990.
O Brasil, como país em desenvolvimento na época, não tinha metas de redução obrigatórias, mas poderia participar dos mecanismos de implementação conjunta e comércio de emissões previstos no protocolo. Como exemplo, temos o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), instituído pelo protocolo com o objetivo de incentivar um desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento ao mesmo tempo em que incentiva os países desenvolvidos a cumprirem suas metas de redução.
Os benefícios associados aos projetos de MDL incluem a geração da Redução Certificada de Emissões, que quantifica os créditos de carbono atribuídos ao projeto após sua implementação. O interesse em participar desses projetos reside principalmente na oportunidade de comercializar esses créditos, uma vez que os países envolvidos devem estar em conformidade com as políticas de desenvolvimento sustentável do país anfitrião.
Posteriormente, em 2015, o Acordo de Paris substituiu o Protocolo de Quioto, sendo adotado durante a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Diferentemente do Protocolo de Quioto, o Acordo de Paris é mais inclusivo, buscando a participação de todos os países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, na redução das emissões de GEE.
Com o novo acordo, o Brasil comprometeu-se a assumir a responsabilidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 37% até 2025, com uma meta indicativa de 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005. No final de 2020, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil passou por uma revisão, conforme previsto pelo Acordo de Paris. A versão revisada reafirmou as metas anteriores e introduziu um objetivo indicativo de alcançar a neutralidade climática até 2060, significando emissões líquidas de GEE nulas. Posteriormente, durante a COP 26, em novembro de 2021, e subsequentemente oficializada pelo governo, houve uma nova atualização que estabeleceu, entre outras medidas, uma meta revisada de redução de 50% nas emissões até 2030.
Apesar do progresso dessas iniciativas em escala global, o Brasil enfrenta uma lacuna significativa no que diz respeito à falta de um conjunto de regulamentações necessárias para estabelecer um mercado interno de carbono. A implementação desse mercado é de suma importância para alcançar os objetivos definidos no acordo internacional.
No Brasil, a primeira legislação que buscou estabelecer diretrizes a respeito das questões de desenvolvimento ambiental, como a comercialização de créditos de carbono, foi a Lei Nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Sendo até hoje utilizada em conjunto com o Decreto Federal 11.075/2022, que estipula novas definições sobre a comercialização de créditos de carbono.
No contexto atual, entende-se a urgência de uma nova legislação que defina em detalhes a regulamentação desse mercado em expansão, que promete um significativo potencial de lucratividade para o nosso país. Nesse cenário, destaca-se o recente projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2023.
Mercado de
créditos de carbono
Dentro do mercado de créditos de carbono, há duas principais variáveis que definem a forma de comercialização, regulamentações e valores. Essas variáveis são:
Mercado regulado
O mercado regulado originou-se como uma decorrência dos compromissos estabelecidos no Protocolo de Quioto. Nesse contexto, as nações que possuíam taxas de emissão de poluentes superiores ao resto do mundo e que, desde a Revolução Industrial, vinham usufruindo de intenso crescimento econômico proporcionado pelos combustíveis fósseis, assumiram a responsabilidade de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, impondo obrigações legais às empresas situadas em seus territórios. Essas obrigações incluem limites específicos de emissões e a opção de adquirir créditos de carbono provenientes de mecanismos estipulados no Protocolo de Quioto, como uma forma de compensação para emissões que excedessem as metas pelo acordo.
Esse sistema define limites graduais de emissões para agentes regulados, incentivando a redução de gases de efeito estufa e estimulando o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Esse comércio oferece recursos extras aos agentes ambientalmente eficientes e gera despesas para os menos eficientes. Assim, a oferta e a demanda desse sistema refletem-se nos preços, internalizando impactos e conferindo vantagem competitiva aos mais eficazes na preservação ambiental.
Mercado voluntário
A criação de um mercado formal de carbono possibilitou o surgimento de mercados voluntários, esses que não seguem especificamente as regras impostas pelo mercado regulado. A estruturação e a evolução desse sistema são predominantemente impulsionadas pela iniciativa privada, que manifesta interesse em adquirir voluntariamente créditos de carbono. Tal interesse é motivado pela responsabilidade social corporativa da empresa, pelos benefícios ambientais, pela construção de uma imagem sustentável e pela busca de certificações.
No setor voluntário, qualquer organização, indivíduo, entidade não-governamental (ONG) ou governo tem a capacidade de produzir ou adquirir créditos de carbono de maneira voluntária. Essas negociações acontecem conforme as regras de cada mercado, podendo ser realizadas através da bolsa de valores, com o uso de intermédios ou diretamente entre vendedor e comprador. As operações são menos burocráticas do que as do mercado regulado pelo Protocolo de Quioto, porém, durante a vigência do tratado, os créditos de carbono comercializados no mercado voluntário não valiam como redução de metas para os países signatários.
O potencial brasileiro
Os impactos gerados por anos de negligência ambiental já se mostram mais do que presentes em nosso país. Não é de hoje que os deslizamentos ocorrem na região sudeste, que as brutais enchentes atingem sem piedade o sul do país ou que a Amazônia sofre com a seca constante. Atualmente, o Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE), lançando anualmente na atmosfera cerca de 2 bilhões de toneladas de CO2. Mas a pergunta que fica é: como podemos contribuir para salvar a vida do planeta e ainda obter potencial econômico com essa prática?
O mercado voluntário de carbono é fundamental nesse aspecto, atraindo financiamento privado para projetos de desenvolvimento sustentável, como o apoio à preservação de florestas, por exemplo. Ao armazenar carbono, essa conservação reduz as emissões provenientes do desmatamento evitado. A essência por trás da formação do mercado voluntário reside precisamente na harmonização de interesses individuais com o bem público.
O Brasil detém um vasto potencial de geração de riqueza nesse mercado, impulsionado tanto pela vocação natural de nossos ecossistemas quanto pelo interesse privado em engajar-se nestas práticas, obtendo recursos substanciais para impulsionar seu desenvolvimento socioeconômico.
Novo projeto de lei
Em 21 de dezembro de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta legislativa Nº 2.148/2015, que estabelece as bases normativas para a regulação do mercado de carbono no Brasil. O respaldo governamental e a classificação do texto como uma das principais iniciativas na "pauta verde" da Câmara destacam sua importância.
O texto institui o SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa), um sistema de comércio de emissões que envolve empresas pagando pelo carbono emitido, que atuará como mediador regulatório nesse mercado.
O projeto propõe a instauração de um limite para as emissões de gases de efeito estufa, aplicável aos operadores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, que supervisionam instalações ou fontes correlatas, como conglomerados empresariais de um setor específico.
Esses limites serão fragmentados em Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs), determinando uma quantidade anual para cada operador. A comercialização dessas CBEs será permitida, possibilitando a aquisição de créditos de carbono para manter as emissões abaixo do estabelecido. Operadores que ultrapassarem 25.000 toneladas de CO2e, como grandes indústrias, estarão sujeitos a regras mais rigorosas, prevendo até mesmo multas em caso de descumprimento de metas.
Empresas com menores índices de poluição, com emissão de até 10.000 toneladas de carbono, estarão aptas a participar do mercado voluntário, vendendo os créditos acumulados para aquelas que não atenderem suas cotas de emissão de carbono, transformando a redução das emissões de gases do efeito estufa em receita.
Perspectivas do
mercado brasileiro
O mercado de créditos de carbono brasileiro promete gerar receitas expressivas, estimando movimentar US$ 100 bilhões até 2030 e USD 300 bilhões até 2050. O Brasil possui potencial para suprir uma parcela significativa da demanda global, especialmente no mercado voluntário. A regulamentação recente, apoiada pelo governo, visa a transformar o nosso país em um importante agente nesse cenário.
Créditos de carbono e ESG
A regulamentação do mercado de carbono no Brasil reflete a integração entre questões ambientais e econômicas. Empresas comprometidas com a redução de emissões não apenas contribuem para o meio ambiente, mas também fortalecem sua imagem no contexto do ESG (Ambiental, Social e Governança), ganhando destaque no cenário corporativo sustentável.
O mercado de créditos de carbono está se expandindo rapidamente no Brasil. Impulsionadas pelo recente projeto de legislação, empresas têm a oportunidade não apenas de cumprir metas ambientais, mas também de explorar novas fontes de receita.
A integração dos créditos de carbono com a agenda ESG destaca a importância de abordagens sustentáveis nos negócios. À medida em que o Brasil se posiciona como participante relevante nesse mercado, é fundamental que as empresas estejam atentas às oportunidades associadas à comercialização de créditos de carbono.
Andréia Reis é analista de Marketing na Mercatto Energia, a mais antiga comercializadora independente de energia elétrica do Rio Grande do Sul, especializada no Mercado Livre de Energia, com sede em Farroupilha e atuação nacional.
Clique AQUI para conhecer melhor a empresa.