Neste ano de 2022, quando o Festival de Cinema de Gramado chegou à sua edição de número 50, parece interessante buscar sua história e ver como tudo começou.
Na realidade, as mostras de cinema na cidade começaram bem antes de 1972, data oficial do primeiro evento. Já na Festa das Hortênsias, iniciada catorze anos antes, em 1958, havia um espaço para exibição de pequenos filmes feitos aqui no Estado por amadores, quase todos em Porto Alegre, onde foi fundada a Casa do Cinema, com Giba Assis Brasil à frente.
E vou acrescentar outro detalhe: a raiz das mostras que abriram caminho para o Festival de Gramado foi a era dos cineclubes, em especial o Clube de Cinema de Porto Alegre, segundo alguns o primeiro cineclube do Brasil. Foram os cineclubes que estimularam muitos cinéfilos a fazerem a passagem do debate sobre os filmes para a produção do próprio filme, mesmo que fosse pequeno. E algumas circunstâncias fizeram com que Gramado, na Festa das Hortênsias, fosse o local de sua exibição.
Também vivi a era dos cineclubes, nos anos sessenta, e fui seu frequentador, inclusive do Clube de Cinema de Porto Alegre, que se reunia quase sempre no Cine Baltimore, no bairro do Bom Fim. Quase todos os participantes eram estudantes universitários, de várias faculdades, e os debates eram divididos em duas partes:
na primeira, buscava-se identificar os elementos de linguagem cinematográfica utilizados: enquadramento, movimentos de câmera, ritmo, atuação de atrizes e atores, etc, etc, tanto em suas qualidades como em seus defeitos;
na segunda, a discussão entrava para o campo dos significados, na assim chamada semântica do filme: que problemas ele propunha ao espectador, que rumo dava às ideias e assim por diante. Nesse item, os filmes que mais rendiam debate eram os da “nouvelle vague” francesa, que ganharam o apelido de “filmes cabeça”.
No cinema brasileiro, vivia-se a época do Ciclo do Cangaço, que teve início com o filme O Cangaceiro, realizado por Lima Barreto em 1953. Chegou a ser criado então o termo “Nordestern”, numa referência ao “Western” norte-americano.
Não enveredei para o cinema, como vários de meus colegas, mas aproveitei algumas das técnicas aprendidas para fazer minhas narrativas literárias. Por exemplo:
não pôr em cena número muito grande de personagens, de preferência pondo o foco em dois deles por vez;
não fazer sequências muito longas: no caso da narrativa literária, aplicar essa regra aos capítulos;
ao final de cada capítulo, criar um “gancho”, para manter aceso o interesse do leitor em passar para o capítulo seguinte;
fazer diálogos concisos, sem adjetivos pomposos, mas também sem vulgaridade;
criar um clima de expectativa à espera do desfecho final.
Quando uma de minhas novelas policiais foi adaptada para a televisão e o romance O Quatrilho levado para o cinema, o produtor de casos especiais da TV Globo, Daniel Filho, me disse que as minhas histórias já eram quase um roteiro para ser filmado, bastava uma “enxugada”. E disse também que, se eu fosse um dia a Los Angeles em busca de emprego, seria contratado logo como “dialoguista”.
A literatura influenciou o cinema, com toda a certeza, mas teve também excelente retribuição, ao ganhar novas técnicas. No Brasil, quem as introduziu foi Erico Verissimo, grande mestre das narrativas visuais. Tanto que um crítico literário o chamou de “Contador de histórias”...
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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