A ironia está fundamentada em uma ambiguidade, expressa pela seguinte dúvida: “Fulano está falando sério ou não?” ,
A ironia é o drible da linguagem, que explora a falta de limites nítidos entre uma brincadeira e uma seriedade.
A ambiguidade da ironia pode ser representada assim:
Exemplo 1: “Tem três coisas que eu odeio: textos teóricos, gráficos mal desenhados e ironia”.
Essa frase é irônica porque vem junto com um gráfico mal desenhado, num texto teórico sobre ironia. Pode ser que o autor a tenha criado apenas pra efeitos de brincadeira, mas vai saber se de fato ele não odeia aquelas três coisas ali? Não adianta nos perguntarmos sobre a intenção do autor com sua frase, porque a ironia joga exatamente com o não saber a intenção do autor.
Já o sarcasmo é um pouco mais complexo, mais pesado: a ironia é um suco de manga e o sarcasmo é limão sem açúcar. Algumas pessoas chegam a se ofender diante dele.
A peculiaridade do sarcasmo é gerar uma dupla ambiguidade, ou seja, o sarcasmo nos exige discernir entre seriedade e ironia – e evidentemente isso não basta, porque a possibilidade de ironia contém em si aquela outra ambiguidade entre seriedade e brincadeira. Mais ou menos assim:
Como se vê, pra entender um sarcasmo é preciso trabalhar em dobro: primeiro pra decidir se o que foi dito é sério ou irônico, depois pra decidir novamente se o que foi dito não é realmente sério ou se é, enfim, brincadeira.
Exemplo 2: “Quer dizer que tu sabe a diferença entre sarcasmo e ironia? Bom pra tu”.
Nesse caso, primeiro temos de identificar se a pergunta “Quer dizer que tu sabe a diferença entre sarcasmo e ironia?” foi feita a sério ou ironicamente. Mas isso não resolve a questão, aliás, só aumenta o problema, porque se reconhecemos ironia nisso aí temos de analisá-la também: “afinal de contas, essa pessoa acha bom ou ruim que eu saiba a diferença entre sarcasmo e ironia?”. O “bom pra tu” apenas reforça o tom de arrogância e autossuficiência natural do sarcasmo (a ironia, em si, é um pouco mais modesta).
De tudo isso, no entanto, o que é mais curioso não é a possibilidade constante de as pessoas falarem coisas “na brincadeira”, mas sim a possibilidade de, em alguma situação dessa vida, a gente falar alguma coisa seriamente.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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