Entre 18 de junho e 23 de julho de 1977, o jornalista Luiz Costa Filho idealizou um teste de durabilidade de dois Fiat 147 em uma inédita viagem por países da América do Sul, pouco depois de a marca iniciar suas atividades e a produção do modelo em sua fábrica de Betim, em Minas Gerais. Ele e o repórter-fotográfico Paulo Schevenstuhl realizaram essa viagem-teste durante 35 dias seguidos.
Os dois carrinhos cumpriram a distância de 28.000 quilômetros, com partida e chegada em Belo Horizonte, por pesados e rigorosos percursos, inclusive com a travessia de parte da Floresta Amazônica, nas estradas do Uruguai, Argentina, Paraguai, Chile, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e Brasil, com a média diária de 713,4 quilômetros.
O primeiro país a ser visitado pelos aventureiros foi o Uruguai, com suas fazendas dedicadas à produção de alimentos e à criação de gado e a surpresa da bela capital Montevidéu, que lembra algumas cidades europeias. Depois, uma parada em Assunção, no Paraguai, antes de escalar a Cordilheira dos Andes, exibir os novos carrinhos e visitar o romântico lago do Ypacaraí.
Ao sair do Paraguai, uma nova passagem pela Argentina para acessar, por Mendoza, a estrada que cruza a Cordilheira dos Andes, até chegarem a Santiago. Na sequência da aventura, enfrentaram o deserto do Atacama, onde vivenciaram o forte contraste da temperatura ambiente, com 40 graus Celsius durante o dia e a proximidade do zero quando a noite surgia.
Viagem atestou a resistência dos novos veículos
(Foto: Paulo Schevenstuhl/Arquivo pessoal)
O quinto país a receber os carrinhos Fiat 147 foi o Peru, com as contrastantes paisagens oferecidas por Lima, a capital, com fortes vestígios da época da colonização, com edifícios, casas e igrejas portentosos em contraste com moradias sem telhados pelo baixo índice pluviométrico. E os aventureiros notaram que, pela inexistência de chuva frequente, os Fiat eram os únicos automóveis em circulação com limpadores de para-brisas mantidos instalados.
No Peru, até a fronteira com o Equador, os carros enfrentaram 400 quilômetros de buracos porque as estradas são prejudicadas por frequentes tremores que tornam praticamente impossível a permanente conservação. Luiz Costa Filho registrou que, nesse trecho, os carrinhos demonstraram muita resistência dos pneus, rodas, molas, amortecedores e todo o conjunto de suspensão. Segundo ele, foi outro bom teste para os bancos dos dois Fiat 147, que demonstraram muito conforto e mantiveram os corpos dos condutores em excelente posição anatômica.
A estrada inicial do Equador conduziu os integrantes da aventura a ingressar num percurso de novo contraste proporcionado pela Selva Amazônica, cortada por uma estrada perfeita onde percorreram o maior trecho desde o início do teste, de 700 quilômetros a 3.000 metros de altitude média, que entusiasmou os participantes da viagem com o positivo comportamento mecânico dos carros. Pouco mais de 200 quilômetros antes de Quito, sentiram outra emoção ao verem Chimborazo, o maior vulcão em atividade do mundo, com altura de 6.267 metros. Do Peru até Quito, o recorde de permanência ao volante: 22 horas consecutivas e 1.240 quilômetros em percurso de muitas curvas.
Outro registro dos condutores foi referente a Quito, a capital mais alta do mundo, com 2.850 metros acima do nível do mar, com prédios à prova de abalos sísmicos que refletiram a posição econômica do país por suas reservas de petróleo. Numa segunda-feira de manhã, a viagem foi programada para chegar a Caracas, na Venezuela, o que fecharia o roteiro de visitas a países da América do Sul. Sob um calor de 40 graus, deveriam percorrer 1.100 quilômetros por agradáveis paisagens tropicais e por uma estrada de asfalto perfeito.
Diferentemente da atualidade, no final dos anos de 1970, os venezuelanos possuíam luxuosos automóveis importados pelo fato de aquele ser um dos maiores produtores mundiais de petróleo. Nessa época, Caracas era uma cidade moderna e, sem se preocupar com as crises mundiais de falta de combustíveis, a gasolina, vendida em três tipos, tinha preços que variavam entre 40 centavos e um cruzeiro cada litro.
Nove países da América Latina foram percorridos pela expedição sobre rodas
(Foto: Paulo Schevenstuhl/Arquivo pessoal)
Por uma excelente estrada, os Fiat passaram por Ciudad Bolivar, na época o segundo maior produtor de petróleo do país, até próximo de Eldorado, última cidade servida por estrada pavimentada, e os brasileiros viram as tubulações que levavam para o porto o petróleo extraído da região.
Após 21.000 quilômetros, os Fiat cruzaram a fronteira brasileira na Serra de Paracaima, em plena selva. Desse ponto até Boa Vista, no norte do país, foram 200 quilômetros de chuva, lama e insetos. Depois, entre Caracarai e Manaus, o trecho mais difícil da longa viagem, 700 quilômetros de selva, à velocidade de 40 quilômetros por hora e uma única preocupação. Ao passarem pela unidade de fronteira do Exército, em Rondônia, receberam rigorosas instruções para não parar nunca, andar sempre em comboio e não usar armas de fogo e bebidas alcoólicas.
A única instrução que não pôde ser seguida foi a de não parar porque, no meio da reserva indígena, existe uma balsa para atravessar o rio Alalaú, que obrigou uma espera natural na fila de veículos. Por sorte, os Waimiri-atroari não apareceram nesse dia e, durante o tempo de espera, ouviram as histórias dos saques que eles costumam realizar contra os motoristas que circulam pela estrada. Por volta das 21 horas, chegaram a Manaus cobertos de lama, mas felizes. Nos dois últimos dias enfrentaram mil e cem quilômetros de selva, buracos, calor sufocante, ondas de insetos e momentos de grande apreensão ao atravessar a reserva indígena.
Luiz Costa Filho declarou que, mais uma vez, atingiram o objetivo e os Fiat 147 resistiram a uma longa viagem sob difíceis condições de clima, altitude, estradas boas e más, que os conduziram a belas regiões timidamente exploradas pelos profissionais de turismo.
De Manaus a Belo Horizonte, uma viagem bem conhecida no território nacional, onde foram recebidos com faixas e cartazes pela cidade, batedores da polícia e fogos de artifício que saudavam a passagem pelas ruas, dezenas de carros Fiat acompanhavam o cortejo e a banda da Polícia Militar tocava músicas entusiasmantes quando os carros chegaram ao Hotel del Rey. Fim da viagem com festa. E os carros, que uniram o Brasil e os países da América do Sul, foram conduzidos por engenheiros para uma etapa de análises e inspeção técnica.
Luiz Carlos Secco trabalhou, de 1961 até 1974, nos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.
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