O tema da adolescência sempre teve um papel relevante em todas as culturas, desde a antiguidade. Entre os mitos gregos, pode ser citado Narciso, o adolescente que se encanta com a própria imagem. Édipo também pode ser incluído nessa linhagem dramática.
Sempre foi difícil definir em que consiste a adolescência: se é um período com estrutura própria ou se é apenas uma ponte movediça entre a infância e a idade adulta. Essa indefinição termina se refletindo até mesmo no plano jurídico: basta ver as oscilações sobre os direitos e os deveres dessa idade nos códigos elaborados, em especial no século passado.
Por sinal, o século XX tem sido apontado pelos pesquisadores como o século da adolescência. A indústria cinematográfica se esbaldou construindo narrativas em que o adolescente, ou a adolescente, são protagonistas. Entre os fatos que deram maior visibilidade aos adolescentes costumam ser citados o movimento hippie, na década de 60, a música dos Beatles e os movimentos estudantis dos anos 70. Tudo isso se tornou material de estudo de todas as ciências humanas, em especial da Psicologia.
Pois não se deve esquecer que Santo Agostinho, ainda no século IV, em suas Confissões, dá destaque especial à sua experiência de adolescente. Nessa idade, Agostinho interrompeu seus estudos na escola de primeiras letras e foi mandado de Tagaste para Madaura, uma cidade vizinha, a fim de estudar literatura e oratória, enquanto seu pai juntava recursos para enviá-lo para estudar em Cartago, na época uma metrópole cultural, que era o que ele desejava para o filho. Tudo isso Agostinho relata em suas Confissões. E comenta:
Muitos elogiavam meu pai, que gastava mais do que permitia o patrimônio da família, para pagar a permanência do filho longe de casa para avançar nos estudos. Muitos outros pais, mais ricos do que ele, não mostravam o mesmo interesse pela educação dos filhos.
A seguir relata uma experiência que poderia ser vista como uma descrição freudiana da sexualidade emergente. E o faz sem meias palavras:
Aos dezesseis anos, as necessidades de casa me forçaram a interromper os estudos por algum tempo. Livre de qualquer escola, passei a viver com meus pais e os espinhos das paixões começaram a me azucrinar a cabeça, sem nenhuma mão que os arrancasse. Pelo contrário. Meu pai me viu um dia no banho e notou em mim os sinais da puberdade que se empolgava. Foi contar o que viu à minha mãe, cheio de alegria, dizendo que logo teriam netos.
Nessa idade, seus pais “chegaram a afrouxar as regras do divertimento, sem a costumeira severidade, deixando-me entregue ao desmando de várias paixões”. Até que sua mãe, chamada Mônica, resolveu tomar as rédeas da situação e encaminhar o filho para a moral cristã. Não sem alguma resistência por parte dele, que cometeu até mesmo a malandragem de roubar peras de um vizinho. Episódio que ele relata em detalhes quando adulto, cheio de arrependimento:
Roubei coisas, não por necessidade, mas pelo gosto de roubar. Havia, perto da nossa vinha, uma pereira carregada de frutos, que não eram bonitos nem saborosos. Certa noite, depois de nos divertirmos na praça até o meio da noite, como era nosso costume de jovens, fomos sacudir a árvore para roubar as frutas. Colhemos um monte delas e, depois de provarmos e não gostarmos do seu sabor, as jogamos aos porcos. Nosso prazer era apenas praticar o que era proibido.
Não é cena atual, como parece. Mas da agitada adolescência de Santo Agostinho...
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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