POR MARCOS FERNANDO KIRST
O papagaio mais popular e querido do universo das HQs está prontinho para voltar a animar os leitores nas páginas dos quadrinhos, das quais está afastado desde junho de 2018. Os dois anos de “férias forçadas” deveram-se à decisão da Editora Abril de cancelar a publicação dos quadrinhos Disney no Brasil naquela data, pondo um balãozinho de “fim” em 68 anos de parceria e deixando subitamente milhares de leitores brasileiros abandonados.
A saudade das aventuras coloridas de Mickey, Pato Donald, Tio Patinhas, Margarida, Peninha, Minnie, Pateta e companhia passou a ser amenizada a partir de março de 2019, quando a editora CAXIENSE Culturama surpreendeu o mercado, o país e os leitores, assumindo os direitos de publicação de cinco títulos mensais das histórias de linha de alguns personagens. Dessa forma, de uma hora para a outra, Caxias do Sul passou a abrigar o universo mágico e criativo de Patópolis, encurtando o hiato de tempo sem as publicações. Mas... alguma coisa ainda estava faltando.
“Cadê o Zé Carioca?”, era a pergunta que não queria calar entre os leitores, especialmente os mais adultos (sim, senhores e senhoras, porque quadrinhos, apesar do nome pueril, é uma arte narrativa gráfica apreciada por crianças e adultos de 8 a 88, e com razão, uma vez que suas páginas brindam os navegantes com narrativas excelentes). Pois é, o Zé Carioca não constava (e não consta) na palheta de personagens trabalhados pelos estúdios estrangeiros atualmente produtores das histórias Disney (cujo material é importado pela Culturama e adaptado e editado aqui, para ir às bancas).
O Zé Carioca transitando pelas paisagens típicas do Rio de Janeiro
A Editora Abril, durante muitos anos (especialmente nas décadas de 1970 a 1990), manteve um estúdio brasileiro de roteiristas e desenhistas produzindo histórias do universo Disney, com grande enfoque ao brasileiríssimo personagem Zé Carioca, extremamente popular entre os leitores brasileiros pela óbvia razão de sua identificação com o cenário nacional. Lá fora, no entanto, o personagem é pouco conhecido e, por isso, raramente trabalhado pelos estúdios estrangeiros.
Histórias inéditas, nas bancas em setembro
Mas esse drama termina AQUI e AGORA. Todo o agito da Vila Xurupita está de volta, com o retorno das histórias de Zé Carioca e sua turma, a partir de histórias INÉDITAS roteirizadas e desenhadas por artistas BRASILEIROS, em uma iniciativa editorial da caxiense CULTURAMA, atendendo ao pedido dos leitores. Argumentistas e desenhistas brasileiros que já trabalhavam na criação dessas histórias para a Editora Abril foram arregimentados e entram em cena para movimentar essa turma, sem esquecer da Rosinha, do Nestor, do Pedrão, do Afonsinho, do Morcego Verde, da Agência de Detetives Moleza e, claro, da A.na.co.ze.ca (a Associação Nacional dos Cobradores do Zé Carioca). Ultimamente, o que mais se cobrava dele era sua reaparição e, nisso, o simpático papagaio não deu o calote. A previsão é de que a edição número UM chegue às bancas no mês de SETEMBRO.
Os detalhes desse retorno do personagem à ativa nos quadrinhos serão explicitados pelos editores da Culturama em uma live na terça-feira da semana que vem, 28 de julho, a partir das 19h30, na página da editora no Youtube, em link a ser divulgado na sua página do facebook, instantes antes da transmissão (confira AQUI). A capa da revista, formato da pré-venda e detalhes da produção constarão na saborosa pauta.
Morador da vila, mas concebido no Copacabana Palace
O Zé Carioca, apesar de brasileiro e residente na fictícia Vila Xurupita, encarapitada no alto de um morro no Rio de Janeiro, do qual, ao longe, pode apreciar as vistas da Baía da Guanabara, do Pão de Açúcar e do Cristo Redentor, surgiu na imaginação de um artista norte-americano, criador de um império no reino da fantasia: Walt Disney (1901 – 1966). Diz a lenda que ele teria concebido o personagem quando de sua estada no Brasil em 1941, rabiscando seus traços e batizando-o (Joe Carioca, no original) nas dependências do Copacabana Palace, onde estava hospedado.
Walt Disney, o criador do personagem
Disney viera ao Brasil integrando um programa especial criado pelo Departamento de Estado dos EUA, focado na política de aproximação dos Estados Unidos a países que ainda estavam indecisos sobre a que lado se unir durante a Segunda Guerra Mundial, que já estava em Curso. O Brasil de Getúlio Vargas era um desses indecisos, e os EUA apostavam em uma aproximação dos povos via fomento cultural e propagação das benesses do estilo de vida americano (“american way of life”).
O escritor gaúcho Erico Verissimo (1905 – 1975), na época, também integrou as atividades desse programa, tendo sido convidado a viver alguns meses nos Estados Unidos, com toda a família, às custas do Departamento de Estado, conferindo palestras de ponta a ponta no país, sobre aspectos da cultura brasileira. Dessa ação, resultaram dois livros de crônicas do autor: “Gato Preto em Campo de Neve”, lançado em 1941, e “A Volta do Gato Preto”, de 1946.
Disney veio para cá, já famoso por seus gibis e desenhos animados de Mickey e do Pato Donald, e criou o Zé Carioca, brasileiríssimo, em deferência ao país. O personagem, ao lado do já consagrado Pato Donald, estrelaria dois filmes longas de animação produzidos pelos Estúdios Disney nos anos seguintes: “Alô, Amigos” (1942) e “Você Já Foi à Bahia?” (1944). As tiras de jornais nos Estados Unidos foram as primeiras plataformas a receberem as historietas de Joe Carioca, na época, ambientadas ainda no mesmo universo urbano fantasioso dos demais personagens, que logo se transformaria na Patópolis.
Passadas essas ações iniciais, o personagem logo caiu para segundo plano e teria sido esquecido caso os estúdios brasileiros da Disney, dentro da Editora Abril, não percebessem seu potencial de popularidade junto ao púbico leitor local, revigorando-o, reformatando-o (ganhou trajes tropicais, foi ambientado no Rio de Janeiro e cercado por personagens brasileiríssimos) e submetendo-o à criatividade de argumentistas e desenhistas locais de gênio. Deu certo.
A animação "Você Já Foi à Bahia?"
Talentos do texto e das tintas dão perfil brasileiro ao Zé
A figura do Zé Carioca apareceu na capa da primeira edição brasileira da revista do Pato Donald, pela Editora Abril, em julho de 1950. Essa edição, no entanto, não trazia nenhuma aventura do papagaio, que estreou em gibi nos Estados Unidos em história própria em dezembro de 1942, intitulada “O Rei do Carnaval”, escrita e desenhada por Carl Buettner. Essa mesma história marcaria a estreia do Zé nas páginas nacionais do gibi “O Pato Donald”, edição número 8, de fevereiro de 1951. A primeira história produzida no Brasil com o personagem foi publicada na revista do Pato Donald número 165, em 1955, intitulada “A Volta De Zé Carioca”.
Estreia do gibi do "Pato Donald" no Brasil, em 1950
Somente em 1961, o Zé Carioca ganharia título próprio, estreando nas bancas pela Editora Abril. Na década de 1970, a Abril reúne um time de roteiristas e desenhistas para criar um Estúdio Disney de produção de histórias originais com os personagens. Zé Carioca ficou a cargo de uma turma que se notabilizaria pelo talento, inventividade e humor nonsense caraterístico. Entre eles, o roteirista paulista Ivan Saidenberg (1940 – 2009) e os desenhistas Jorge Kato (1936 – 2011), Waldyr Igayara de Souza (1934 – 2002), Carlos Edgard Herrero (1944) e o gaúcho de Paraí Renato Canini (1936 – 2013), que se tornaram ícones dos quadrinhos produzidos no Brasil.
O desenhista gaúcho de Paraí, Renato Canini
O gaúcho Canini, por sinal, foi responsável pela consolidação do visual carioca clássico do Zé e do ambiente de seu entorno, com seu traço solto, dinâmico, ágil e característico. A dupla Canini e Saidenberg empunha o mérito de, unindo traço e texto, ter estabelecido a caracterização da personalidade marcante do brasileiríssimo personagem, com seu humor, leveza, esperteza, jogo de cintura e criatividade frente às adversidades e dureza da vida. Traços que devem retornar agora, em grande estilo, às páginas dos quadrinhos produzidos no Brasil, a partir da iniciativa histórica da editora caxiense Culturama. Bem-vindo de volta, Zé!