Fazer um vídeo de si mesmo com o celular parece ser o destino de todo mundo. Por diversão, empreendedorismo ou vício geracional. No fundo, não há nada de estranho em relação a essa escolha — faz parte de hoje e também de um amanhã que se tornou inevitável. O único porém é que, ao se autofilmarem e se expressarem em frente à câmera, nem todas as pessoas terão uma atitude crítica a respeito de enquadramento, iluminação, equilíbrio diccional e senso de conteúdo.
Não que haja normas universais fixando como alguém deve se comunicar num audiovisual. Ao contrário, o terreno é aberto e tem vista para um horizonte cuja linha se espicha cada vez mais, dando chances para qualquer tipo de vídeo. No entanto, é boa a lembrança de que, na hora em que alguém decidir se autofilmar, a liberdade de escolha poderá gerar alguns problemas estéticos. Emboscadas. Tocaias.
Como facilitadora de comunicação e instrutora de vídeo, é aí que Viviane Salvador entra na partida. Vivi vive o audiovisual. Pensa o todo. Ela coloca na balança as imagens, a forma, os sons que farão parte. E retira os feijões machucados. Por fim, dá a si mesma o trabalho subjetivo de imaginar como o conteúdo será absorvido pelo telespectador (iphonespectador) e se pergunta se o vídeo é mesmo consumível. É como se Vivi tivesse uma higiene audiovisual.
tolhimento, imaginário, televisão
A Vivi adolescente queria ser psicóloga. Só que, aos 16 anos, ela escorregou no exame psicotécnico — exigência para entrar na faculdade de Psicologia. Ela se fechou em si mesma para repensar e acabou se identificando com Publicidade e Propaganda, sem se dar conta de que não havia o curso em Caxias do Sul. De repente, Vivi se percebeu tolhida, impossibilitada de ser quem ela era.
O bom é que o curso de Jornalismo da UCS não se importou de ser o terceiro pretendente de Vivi. Foi quando a mãe aconselhou a filha a se matricular em poucas disciplinas, para testar a pulsação, testar se haveria aquele frio decisivo na barriga. Deu match. Então o imaginário viviano começou logo a desejar um futuro internacional no Jornalismo, por conta sobretudo de um dos professores do curso, que havia sido correspondente em Israel da revista Veja.
Veja só: Vivi não virou correspondente internacional. Mas ela se movimentou e conseguiu um estágio na RBS-TV, em Caxias, durante o fim da graduação. Isso em 1999. Vivi ficaria no canal por quase dez anos, às vezes fazendo entradas ao vivo como repórter inclusive no Jornal da Globo, no Bom-dia Brasil, no Jornal Hoje e no programa da Ana Maria Braga. O efeito colateral foi que Vivi se tornou famosa, reconhecida na rua. Só havia um contratempo: ela estava sentindo vontade de se experimentar em algo diferente.
transfiguração, pessoalidade, trampolim
Em silêncio, sem chamar a atenção para si, Vivi iniciou um processo de autointerpretação. Refletiu sobre a sua atuação como repórter na TV, as pautas, os formatos, o modo com que ela vinha se expressando ao vivo em frente às câmeras. Embora se sentisse à vontade no canal e admirasse as pessoas com quem trabalhava, Vivi discerniu em algum lugar remoto do seu íntimo uma exigência de mudança, de transfiguração.
Transfigurar-se passou a ser um chamado para ela. Vivi desejava testar novos limites dentro do fazer televisivo, testar um jeito que lhe desse mais pessoalidade, mais autonomia de atuação. Queria sobre-exceder as funções com as quais ela já estava familiarizada demais. Não significava que houvesse alguma coisa de errado com a configuração dos jornais das TVs abertas — essa configuração apenas não seduzia mais as pretensões de Vivi.
No fundo, ela sempre havia encarado a emissora como um trampolim para São Paulo ou Rio. O azar foi que o trampolim só deu sinais de vida bem na época em que Vivi passou a sentir vontade de elaborar uma família. Daí ela conheceu o Celso. Não que, sozinho, ele tenha sido o responsável pela escolha seguinte de Vivi. Autorreflexiva, ela juntou todos os motivos íntimos e decidiu algo que dizia respeito só a si mesma: pediu para sair da empresa. Precisava se atirar no inexplorado.
Mimex, entrelinhas, o próprio jeito
Vivi vestiu uma roupa que dialogava com o seu temperamento, bateu na porta da reitoria da UCS e, valendo-se da audácia de quem recém havia alterado a própria rota, apresentou o projeto de um programa cultural chamado Mimex. Após o sim da reitoria e da UCS-TV, Vivi cortou o cabelo, coloriu o armário e se livrou dos antigos hábitos de repórter, colocando em jogo uma ideologia televisiva que se baseava em referências estéticas como, por exemplo, Frida Kahlo e Marylin Monroe.
Dois anos e meio de Mimex. Depois, Vivi apresentou o Estúdio Aberto, ainda na UCS-TV, para logo em seguida, ao lado dos jornalistas André Costantin e Adri Antunes, pensar e concretizar um jeito ainda mais maleável (camaleônico) de fazer TV, no Programa Rede de Olhares. Isso tudo sempre procurando se afastar, nas entrelinhas, dos moldes das TVs tradicionais, que já haviam deixado de instigar a sensibilidade de Vivi.
É por causa disso que dá para afirmar que Vivi nem sempre diz amém ao audiovisual, no sentido de que ela só aparecerá na tela se tiver liberdade de movimento. Sua participação hoje em vídeos se baseia na naturalidade, na desafetação. Aliás, sendo mãe do Dudu (10) e do Gael (5), talvez a maternidade tenha contribuído, tenha dado a ela a apropriação definitiva do próprio jeito: mulher, mãe e apresentadora camaleoa. É só digitar “Viviane Salvador” no Youtube e apostar nela uns vinte ou trinta segundos.