POR MARCOS FERNANDO KIRST
A marca era Telefunken e o aparelho funcionava a válvula. Ligava-se o botão (não existia controle remoto) e esperava-se cerca de 30 segundos até que a válvula “esquentasse” e jogasse a imagem em preto e branco na tela de 14 polegadas. Com paciência, torcia-se os botões para ajustar a imagem na horizontal e na vertical, até estabilizá-la e... voilà! Estava feita a mágica: a televisão nos conectava com o mundo, trazendo sons e imagens, em tempo real! Naquele início da década de 1970, era uma sensação inimaginável para a maioria da população brasileira.
A tal sensação chegou na nossa casa no primeiro semestre de 1970 mesmo, adquirida por meus pais com o objetivo específico de poderem assistir à transmissão ao vivo (uau!) das partidas da Copa do Mundo do México. Como aparelhos de televisão eram ainda artigo raro nas residências da minha Ijuí natal, nossa casa da rua dos Viajantes se transformava, nos dias dos jogos do Brasil, em uma arquibancada virtual reunindo os amigos e parentes de meus pais, em sessões regadas a muita animação (e provavelmente com pipoca e cerveja)
Como não me lembro de nada disso, atribuo a ausência de referências não tanto ao fato de, em início de junho daquele ano, contar apenas três anos de idade (faria quatro em julho, aumentando em 33% minha performance de vida até então, com um só bolo), mas especialmente ao meu então absoluto desinteresse por futebol (mais tarde, isso mudaria, mas aí já é outra história). Dessa forma, deixei passar batida a possibilidade de também ter sido uma testemunha televisional da performance histórica da Seleção Brasileira que conquistaria o tricampeonato mundial, conduzida pelos talentosos pés de Rivelino, Tostão, Carlos Alberto Torres, Gérson, Jairzinho, Clodoaldo, Everaldo, Piazza, Félix, Paulo Cézar Caju e... PELÉ!
Pois é, babaqueei e não vi Pelé jogar ao vivo, na televisão que colocava o gênio da bola, o Rei, dentro da sala da nossa casa. Na época, já consagradíssimo, Pelé entortava adversários em campo ao sabor e ao vigor de seus 30 anos de idade. Passadas cinco décadas, o Rei navega século XXI adentro aportando a este 23 de outubro de 2020, data em que celebra seus 80 anos de vida, e recebendo justas homenagens de todos os corners do mundo.
Depois dele, e muitas vezes inspirados por ele, sucederam-se gênios e talentos dos gramados como Maradona, Messi, Romário, Ronaldo, Neymar, Falcão, Sócrates, Cristiano Ronaldo e tantos outros. Todos príncipes, porque rei... Tá combinado, né... Rei é só um, e se chama Edson Arantes do Nascimento, nascido na mineira Três Corações em 23 de outubro de 1940. Hoje, com 80 anos de idade.
Muita gente não lembra, mas Pelé deu o ar da graça de suas chuteiras duas vezes em Caxias do Sul. A primeira delas, a rigor e a caráter, como tinha de ser, de chuteiras, entrando em campo e jogando bola. Foi em 31 de março de 1957, um domingo de sol, quando um combinado dos times locais, Flamengo (futuro Caxias) e Juventude uniram forças para formar o Fla-Ju que recebeu o então “dream team” do Santos para uma partida amistosa que teve lugar no Estádio Alfredo Jaconi.
O Santos era bicampeão paulista e Pelé, então com 16 anos de idade, ainda não era o craque incontestável em que logo se tornaria, mas saiu do banco e entrou em campo em Caxias do Sul, marcando o segundo gol da vitória santista por 4 a 1. Os caxienses que tiveram o privilégio de assistir à partida perceberam que havia talento naquele menino, e não estavam equivocados.
Pelé, já Rei, retornaria a Caxias do Sul em 1975, cinco anos após o tri no México e 100 anos após o início da colonização italiana no Rio Grande do Sul, como convidado especial da edição daquele ano da Festa da Uva, realizada em meio às celebrações que aconteciam na Serra em função daquela data histórica.
Pelé dando autógrafos em Caxias do Sul em 1975 (Foto de Basílio Scalco)
Era uma quinta-feira, dia 19 de fevereiro de 1975, quando Pelé apareceu nos pavilhões. A imprensa local na época estimava que o jogador teria concedido 500 autógrafos nas pouco mais de seis horas que permaneceu na cidade. De qualquer forma, sua presença ofuscou de goleada a de outro convidado ilustre da Festa naquele ano, que o precedeu em alguns dias: o então presidente da República Ernesto Geisel, que veio para a abertura do evento, em 14 de fevereiro. Ali, sobrepunha-se o brilho do monarca inconteste dos gramados...