POR MARCOS FERNANDO KIRST E ANTONIO PORCELLATO
O lançamento da tradução em italiano do livro “A Cocanha” (“La Cuccagna”), ocorrido na última quarta-feira (26 de fevereiro) na comuna de Roncà, província de Verona, na Itália, marcou um capítulo relevante na saga imortal da obra do escritor serrano José Clemente Pozenato, falecido aos 86 anos em 25 de novembro de 2024. Um grupo seleto de autoridades e agentes culturais regionais compareceu ao evento, realizado na Sala Consigliare (Câmara dos Vereadores) de Roncà, apesar do "tempo inclemente" que se abatia sobre a região na ocasião.
Sala Consigliare de Roncà sediou o evento literário
(Foto: Divulgação)
A obra de Pozenato foi apresentada na ocasião pelo tradutor italiano Antonio Porcellato, 69 anos, pesquisador do processo histórico de migração italiana, que vem se dedicando há anos à meta de tradução da dita “trilogia da imigração”, tendo como pano de fundo a imigração italiana no Rio Grande do Sul (que agora em 2025 celebra seus 150 anos), escrita pelo autor, composta, na ordem cronológica da narrativa, pelos romances “A Cocanha”, “O Quatrilho” e “A Babilônia”. Depois de uma breve introdução feita pela secretária da Cultura de Roncà, Giorgia Mettifogo, e do editor da tradução italiana, Franco Zago, o anfitrião do encontro (ao qual também esteve presente o prefeito de Roncà, Lorenzo Ruggeroni) foi o próprio tradutor do livro, Antonio Porcellato.
"A Cocanha", de Pozenato, agora em versão em italiano
Primeiramente, ele apresentou dados sobre o autor, José Clemente Pozenato, deixando a entender que a probabilidade de que a origem de seus antepassados seja de Roncà é muito alta. Também citou os fatos históricos e reais que teriam inspirado o autor a tecer toda da trilogia, começando com o romance “O Quatrilho”, ambientado no seio da comunidade italiana de Caxias do Sul. Do sucesso deste primeiro volume, veio a ideia de escrever um prequel, “A Cocanha” (agora com a tradução italiana editada), e o sequel, “A Babilônia”.
O tradutor Porcellato e sua obra
(Foto: Divulgação)
Em seguida, Porcellato fez uma comparação entre declarações que saíram nos meios de comunicação italianos nos últimos tempos a respeito das culpas históricas ocidentais em relação ao resto do mundo (especificamente de Piergiorgio Odifreddi, matemático e filósofo, e Yanis Varoufakis, economista grego) e o fenômeno migratório europeu. Segue um relato, enviado pelo próprio Porcellato a este portal de notícias, resumindo sua fala na ocasião, em Roncà:
"A Idade Média termina com a descoberta da América, na Europa. Porém, poderia-se dizer que, naquele momento, a Idade Média começou a ser exportada para o resto do mundo. Do ponto de vista dos direitos humanos, temos na América Latina quase um genocídio dos povos indígenas; na África, a praga da escravidão; na Ásia, em particular na China, foi difundido o uso das drogas, o ópio, importado da Índia pelos ingleses, que foi devastador para a sociedade chinesa, até culminar na Guerra do Ópio (1839 a 1842). E depois tem o roubo das matérias-primas que, encaminhadas para Espanha e Portugal, acabaram enfim enriquecendo mais a Inglaterra, onde nasceu a Revolução Industrial.
Ao lado dessas atitudes - tomadas pelas elites da época -, dá-se a grande migração europeia, em consequência sobretudo da Segunda Revolução Industrial quando, por causa dos cereais que chegavam dos Estados Unidos e do Canadá, boa parte dos homens do campo, que representavam 80% da população, viraram inúteis, um peso para a sociedade, que conseguiu se livrar deles encaminhando-os para as colônias ou ex-colônias.
Essa gente rejeitada foi capaz, porém, ao longo de duas, três gerações, de transformar ambientes selvagens em áreas que hoje podem competir com o primeiro mundo de antigamente. Especificamente falando da América Latina, depois dos colonizadores espanhóis e portugueses, a etnia italiana é a mais presente, com cerca de 50 milhões de oriundos somente entre Brasil e Argentina. Considerando só o Brasil, a contribuição que os italianos deram à construção do país de hoje é, sem dúvida, relevante. Para entender melhor o que isso significa, para quem nunca visitou o país, vale a pena conhecer alguns nomes importantes dos meios industrial e cultural brasileiros, entre italianos migrantes e descendentes.
- Francisco Matarazzo: chegou sem nada em 1881 e morreu em 1937, sendo proprietário de 365 empresas;
- Abramo Eberle: metalurgia, maior fábrica brasileira e da América Latina no setor, em sua época;
- Alessandro Lorenzetti: fábrica hidráulica brasileira;
- Paulo Bellini: Marcopolo, uma das maiores fábricas mundiais de ônibus;
- Raul Randon: caminhões e vagões ferroviários, uma das maiores da América Latina;
- Valentin Tramontina: talheres, panelas, fornos, etc;
- Vincenzo Filizola: balanças;
- Mario Dedini: siderurgia, relevante fábrica mundial na produção de fornos para indústria açucareira;
- João Bottene: siderurgia, construtor de uma locomotiva no Brasil (para Morganti, importante cultivador de açúcar no estado de São Paulo - Refinadora Paulista);
- Rodolfo Crespi: têxtil, grande fábrica brasileira de algodão;
- Luigi Papaiz: fábrica de chaves e esquadrias;
- Attilio Fontana: fundador da Sadia, já o quinto grupo alimentar mundial;
- Mario Silvestrini: fundador da Catupiry;
- Carlo Bauducco: produtor mundial de panetone;
- Geremia Lunardelli: conhecido como "o imperador do café", produtor de café;
- Miolo e Salton: grandes vinícolas do Brasil;
- Antonio Ometto: patriarca da família que hoje, através da Cosan, administra a uma extensa propriedade brasileira, com 1,5 milhão de hectares e uma das maiores produtoras mundiais de açúcar;
- Tranquillo Giannini: grande fábrica de instrumentos musicais da América Latina;
- Victor Civita: fundador da Editora Abril;
- Humberto Mauro: cineasta, um dos pioneiros do cinema no Brasil;
- Adoniran Barbosa (João Rubinato): um dos mais admirados sambistas de São Paulo;
- Luiz Bonfà: autor das músicas do premiado filme “Orfeu Negro”;
Em homenagem a Verona:
- Luigi Caloi, de Erbè, de Verona: fábrica de bicicletas, uma das maiores da América Latina;
- Giuseppe Todeschini, de Arcole, Verona: primeira fábrica de massas em Curitiba e já a maior do estado do Paraná;
- Herson Capri, ator, neto de imigrante oriundo de Sanguinetto, Verona: protagonista da primeira versão da novela “Os Imigrantes” e de muitos outros trabalhos;
Claro que o elenco seria muito mais extenso, mas o tempo disponível já se esgotou”.
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