POR SILVANA TOAZZA
Existem marcas que são um patrimônio industrial e cultural de Caxias do Sul. Que onde você for, pode dizer “eu sou da cidade de tal empresa”. O município pode nem ser conhecido, mas a grife empresarial sim, e além das fronteiras serranas, gaúchas ou brasileiras.
Assim é a Agrale, uma montadora 100% nacional nascida há 58 anos, pelas mãos do ícone industrial e visionário Francisco Stedile (1922-2006), colocando as rodas no ramo agrícola, ao produzir tratores.
Hoje, a Agrale possui quatro unidades fabris no Brasil e uma na Argentina, e atua na fabricação de tratores, caminhões, chassis para ônibus, utilitários 4x4, motores e grupos geradores. Começou 2021 com a conquista, mais uma vez, do Prêmio Lótus Campeão de Vendas 2021, na categoria Marca de Chassi de Micro-ônibus.
Na entrevista a seguir, concedida exclusivamente à seção “Conversa Afiada” do site, o diretor Comercial e de Marketing da Agrale, Edson Ares Sixto Martins, 53 anos, com MBAs em Marketing, Gestão Empresarial e Finanças, revela de que forma a companhia está conseguindo acertar a rota para desviar das turbulências empresariais por conta da Covid-19:
Mesmo diante da pandemia, a Agrale recebeu o prêmio Campeão de Vendas 2021 como Marca de Chassi de Micro-ônibus. O que significa a distinção?
A conquista do Prêmio Lótus reflete o posicionamento da Agrale no mercado, mesmo diante da pandemia. Disponibilizamos produtos de acordo com as necessidades de cada segmento. A Agrale vem aprimorando seus produtos de acordo com as demandas e desenvolvendo chassis dedicados a nichos específicos, como é o caso das versões 4x4, piso baixo (low-entry), movidos a GNV/Biogás, entre outros. O que nos faz receber essa distinção é o reconhecimento dos nossos clientes ao bom trabalho realizado ao longo dos anos por nossas equipes e pelos nossos fornecedores.
De que forma a pandemia impactou nos negócios em 2020? Houve retração e demissões?
A crise econômica trazida pela pandemia de coronavírus está sendo mais um desafio para as empresas dos segmentos veicular e agrícola. Fomos muito impactados desde 2014, quando se iniciou uma série de crises sucessivas. Diversos mercados onde atuamos chegaram a quantidades até 67% menores, como o que ocorreu com caminhões em 2016. Conseguimos passar pelo ano de 2020 sem recorrer a demissões, administrando a situação com flexibilização de trabalho, redução de jornada, férias, não contratação de pessoas para cobrir saídas eventuais de funcionários, enfim, todos as ferramentas possíveis para a preservação dos empregos.
Quais as estratégias para subverter a crise?
- Foco e prioridade para a proteção do caixa da companhia;
- Busca por inovação, característica forte da Agrale;
- Atenção especial aos nichos específicos de mercado onde atuamos;
- Atender programas de compras governamentais para aquisição de ônibus escolares e viaturas para as Forças Armadas;
- Estabelecimento de parcerias estratégicas.
Como a empresa enxerga 2021? A retomada já começou?
Entendemos que 2021 será um ano de dificuldades, visto que ainda lutamos contra o vírus, suas variantes e todos os problemas que a pandemia proporcionou, como restrições de fornecimento de matérias-primas e componentes, aumentos desproporcionais dos valores das matérias-primas, insegurança, etc. Mas somos crédulos de que, com o avanço da vacinação e a retomada gradual da economia, teremos o ano de 2021 melhor do que o de 2020, e uma retomada mais acelerada em 2022.
Quais os principais produtos e mercados?
Os chassis de ônibus, caminhões e a linha Marruá representam aproximadamente 80% do volume de produção. Porém, somos uma empresa multissegmentada e todos os demais segmentos – tratores agrícolas e industriais, motores de 1 e 2 cilindros, etc. – têm importância estratégica no nosso negócio como um todo. Atuamos principalmente nos mercados da América do Sul, África e Oriente Médio, mas estamos sempre atentos para abrir novas fronteiras.
Fale sobre as exportações.
Para 2021 prevemos voltar ao patamar de 2019, em torno de 15% do total do faturamento da companhia, pois percebemos a retomada gradual dos mercados. Isto em função da expectativa de chegada da vacina contra a Covid-19. Os principais mercados em que atuamos são Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Equador, Austrália, Uganda, Nigéria e Namíbia. Os principais produtos que contribuirão para o alcance dessa meta são chassis para ônibus, veículos Agrale Marruá (civil e defesa e segurança) e motores estacionários.
Quais os planos de expansão no horizonte?
A Agrale aposta em nichos de mercado, sendo os principais:
- Manutenção das vendas de chassis de micro-ônibus AM200 MO para o Programa Caminho da Escola;
- Retomada de compras governamentais das viaturas Marruá para as Forças Armadas e de Segurança por parte do Governo Federal;
- O transporte de carga deverá crescer. Nossa projeção é modesta, não pela demanda total, mas por causa da capacidade de atendimento em função da escassez de componentes. Devemos registrar algo em torno de 10% de alta na produção.
A empresa foi atingida pela escassez de matéria-prima?
Foi e ainda estamos sendo fortemente atingidos pela escassez de matéria-prima. Temos feito um esforço muito grande para poder cumprir com os compromissos assumidos com as entregas de produtos. Devemos considerar, além da escassez, o aumento de preços de todas as matérias-primas.
Como criar e manter uma marca tão tradicional quanto a Agrale?
Desde 1962 trabalhando ininterruptamente, já participamos da história de muita gente. Desde o auxílio ao trabalho do homem do campo, passando pelo transporte, mobilidade e segurança para as grandes cidades, até criação de soluções no transporte de pessoas nas mais complexas situações. Somos uma empresa 100% nacional. Temos o espírito forte e ousado, somados a muita dedicação, trabalho e resiliência. A busca pela renovação constante e o aprimoramento diário mantêm a Agrale viva com garra e vontade de enfrentar e superar desafios, que não são poucos.
O mercado agrícola impulsionará o setor?
A safra brasileira de grãos, cereais e leguminosas em 2021 deve somar 253,2 milhões de toneladas. O agronegócio é tão importante para o país que foi o segmento de mercado que conseguiu crescer em 2020. Para nós, o cenário é um pouco adverso, temos algumas limitações de aquisição, principalmente, de matérias-primas importadas, mas certamente apostamos muito no agro como impulsionador dos demais mercados.
Que dicas daria a jovens empreendedores?
Todos sabemos que os jovens têm a curiosidade e a energia como características marcantes. Nossa dica é a canalização desses atributos no pensar e no agir empreendedor. Um dos meios que facilitam esse caminho são as startups. Existem muitas entidades privadas, públicas e acadêmicas dando apoio a esses insights inovadores. Nossa dica é: busquem sempre se aprimorar, desenvolver, apresentar projetos diferenciados e inovadores, certamente o sucesso será consequência garantida.
Quais lições ficam da pandemia?
- Necessidade das companhias estarem avançadas no ambiente digital e isso significa pensar digital em todas as esferas;
- Necessidade cada vez mais evidente de flexibilidade e agilidade organizacional. Tivemos de nos adaptar à nova realidade da noite para o dia, literalmente;
- Trabalho remoto (que não necessariamente significa 'trabalho em casa'), principalmente, por trazer eficiência e agilidade nos processos;
- Necessidade de atuar de forma colaborativa, unindo esforços com outras empresas, entidades e setor público, pois juntos somos mais fortes;
- Empresas sem propósito são menos resilientes em momentos de crise. Mesmo que tenham objetivos bem claros, é necessário ter propósito como arma para motivar e inspirar as pessoas. Lideranças e valores sempre importam, especialmente em momentos de crise.