POR MARCOS MANTOVANI
(Especial para o Portal)
Quando Alexandre se mexe com muita energia, ou quando ri demais, a elevação da temperatura corporal pode acordar a inimiga dele. Sempre à espreita, essa inimiga obstinada tem nome: convulsão. Ela é o sismo que ameaça o menino todos os dias.
A primeira convulsão ocorreu aos quatro meses de Alexandre. Do nada, o corpinho começou a se debater, como se os braços e as pernas estivessem engendrando uma desarticulação. A mãe, Alexsandra Pohren, e o pai, Rafael Pohren, olharam-se com angústia e, ainda sem ideia do que viria pela frente, deram início à saga em busca de um diagnóstico.
Para os médicos, Alexandre era pergunta sem resposta. “Convulsões febris”, um deles assoprou, sem aquela firmeza de quem paga para ver e vai até o âmago da averiguação e da prova, assinando embaixo. Por isso, a charada sobre a condição de Alexandre persistiu dos quatro meses aos dois anos do menino. A mãe e o pai, no escuro.
O diagnóstico saiu enfim em Porto Alegre, pela voz do neurologista André Palmini, já na primeira consulta. “O filho de vocês tem Síndrome de Dravet”, ele disse, tirando do escuro a mãe e o pai. O que se sabe é que no Brasil existem apenas uns 200 casos de Dravet. Em Caxias, dentro dessa estatística, Alexandre está sozinho.
a francesa, a louca, o ar-condicionado
Foi na França, em 1978, que a epileptologista Charlotte Dravet ofereceu luz (e seu sobrenome) a essa síndrome rara, que, de modo resumido, pode ser descrita como uma encefalopatia progressiva cujas convulsões crônicas não se deixam dominar.
Quem também não se deixa dominar é a mãe de Alexandre. Sem embaraço, ela conta que, antes de obter o diagnóstico do filho, foi tachada de louca muitas vezes. Isso porque, quando o menino era atendido em plantões, ela explicava a recepcionistas e enfermeiras que, por algum motivo, se o filho ficasse com calor, convulsionaria. Então solicitava alguma sala com ar-condicionado, pedido que podia gerar caras feias, como se fosse um capricho, uma veneta da mãe.
Acontece que, mesmo antes de obter o diagnóstico do filho, a mãe já havia entendido que o ar-condicionado é um dos escudos contra a convulsão. É fato, a temperatura de Alexandre não pode ultrapassar os 37 graus. Caso os ultrapasse, as convulsões se sentem em casa para castigar o menino, para sacolejar barbaramente seu corpo e sua identidade. Sua vida.
limitações, singularidade, terapias
Devido ao Dravet, Alexandre tem deficiência intelectual. E é autista. Sua comunicação é reduzida, mas ele sabe fazer pedidos com gestos e certas palavras. A decorrência é que essas limitações são um atravanco para sua prática escolar — o menino já teve períodos em sala de aula, só que hoje suas alterações de comportamento o impedem de vivenciar uma normalidade. “Ainda não decidimos se ele irá voltar para a escola neste ano. De repente em maio ou junho, quando esfriar, porque no calor ele pode ter convulsões”, diz a mãe.
Uma das singularidades é que Alexandre não sente dor, não a manifesta. Como na vez em que, na fisioterapia, deixaram o menino cair do balanço e ele quebrou o ombro — mas não quebrou a brincadeira, agindo como se nada fosse. Essa imunidade a dores pode, à primeira vista, parecer algo positivo. Só que no fundo é uma fábrica de agonia para os pais, pois eles sabem que, uma hora ou outra, esse superpoder do filho poderá camuflar alguma lesão séria em seu corpo.
Seu corpo, dia após dia, recebe vários tipos de tratamento — um deles é o canabidiol, obtido via justiça e que apresenta resultados ótimos. Também fazem parte do pacote muita terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudióloga, hidroterapia, equoterapia, REAC (modulação neuropsicofísica) e ABA (análise do comportamento).
Uma das terapias citadas acima é paga pela família. Uma é doação. As outras, o plano de saúde viabiliza — mas já houve negativas, em que a mãe e o pai precisaram requerer judicialmente os direitos do filho. E a situação atual é que algumas dessas conquistas de direito são apenas provisórias, liminares.
boletos, soluções, Zeus
Por dia, Alexandre toma cinco anticonvulsivantes, um remédio para pancreatite, um para tireoide, um para o comportamento, dois complementos de vitamina e dois medicamentos para dormir. Atenção agora: um dos anticonvulsivantes vem da França e se chama Diacomit. O preço? R$ 7 mil reais. O plano paga? Não. O Estado oferece? Não. Alguém doa regularmente? Não.
Então a conta por mês dos pais é a seguinte: Diacomit + outras medicações + plano de saúde + terapia não custeada pelo plano + ar-condicionado 24h em toda a casa, para o menino não convulsionar + gasolina (quase 2.000 km rodados por mês) para conduzi-lo a terapias e plantões + advogada pela luta por direitos = R$ 12 mil mensais.
A mãe não pode trabalhar, pois sua vida é assistir Alexandre em tempo integral. O pai trabalha, mas seu salário está longe de abraçar tudo. Eles tentam dar conta dos gastos organizando almoços beneficentes, puxando fundo de garantia, fazendo mês a mês empréstimos kamikazes. Sabe quem ajuda?
Zeus ajuda. Zeus é o buldogue francês de dois anos que os pais conseguiram comprar a um preço simbólico para ser o miniparceiro do filho. Sua pelagem curta e macia chama por cafunés, que o dono não nega. Aliás, na hora do sono, Alexandre gosta de ficar perto e sentir o cheiro de Zeus, gosta de cafungar a fundo esse afeto, essa generosidade. Uma dupla que dá certo. O menino e o buldogue, cada um fazendo o que pode contra o Dravet.
(FOTOS de Marcos Mantovani, exceto a última, de Alexandre e Zeus, tirada por sua mãe, Alexsandra Pohren).
Caso alguém queira contatar a família e colaborar com o tratamento de Alexandre, os fones são (54) 99608-2739 e (54) 984342996 (este último, fone e PIX).