Por Marcos Fernando Kirst
Passei o sábado inteiro atarraxado no sofá da sala, os olhos e os ouvidos grudados na televisão (alguma outra sugestão em tempos de quarentena imposta pelo coronavírus?), acompanhando atentamente, das 15h até 23h, as tais das lives de artistas internacionais arregimentados por Lady Gaga para protagonizarem um esperado megashow histórico virtual em homenagem aos profissionais da saúde que combatem a pandemia ao redor do planeta. Confesso que o evento intitulado “One World: Together at Home” me trouxe mais decepções do que entusiasmos.
Eu esperava mais. Mais da qualidade dos artistas arregimentados, e mais das performances de todos eles, tanto dos desconhecidos quanto dos bambambans. Paul McCartney apresentou uma versão diferente de “Lady Madonna”, ok, bacaninha, surpreendente, mas ficou só nisso e deu a impressão de estar não mais do que cumprindo tabela (e olha que sou fãnzaço do cavalheiro em questão!). Keith Urban estava entusiasmado e até me fez levantar do sofá um pouquinho. Veja sua performance aqui https://www.youtube.com/watch?v=DtA6GdsdTs0
Annie Lennox foi feliz em escolher sua “I saved the world today” e encantou, como é de sua praxe.
Fora isso, sei lá... fiquei vendo uma sucessão de nomes desconhecidos que pouco me capturaram, e isso que sou alguém que está sempre fuçando atrás de boas surpresas e novidades na música pop e rock. Achei a maioria das performances sonolentas, inclusive a de Taylor Swift. A ideia era animar todos nós que estamos encerrados em casa ou me enganei?
Anitta, a única estrela nacional anunciada no elenco, decepcionou, e decepcionou pesado. Não cantou! Restringiu-se a anunciar, em inglês fluente (sim, ela tem inglês fluente, cara pálida), a apresentação de Juanes, o guitarrista colombiano. Questionada, Anitta afirmou que foi, sim, convidada a cantar pela Lady Gaga, porém, achou que deveria fazer uma superprodução e, como não conseguiria fazer isso em casa, declinou. Mas como assim, cara também pálida? Não se informou? Todos cantaram e tocaram nos ambientes íntimos de suas residências, sem produção coisa nenhuma! Essa era a proposta das lives! Qual parte ela não entendeu? Enfim, o mundo foi privado de escutar Anitta e teve de se contentar com Paul MacCartney, Stevie Wonder, Sheryl Crow...
Quem REALMENTE deu tudo de si e arrasou, só pra variar, foram os Rolling Stones. Mick Jagger, Keith Richards, Ronnie Wood e Charlie Watts, cada um na sua casa, entraram, cada um a seu tempo, na live para executar uma performance da clássica “You can´t always get what you want” (“Você nem sempre pode ter tudo o que deseja”), perfeita para sintetizar o momento. E que performance! Mick e Ronnie sintonizados, como sempre, e conduzindo a trama toda. Keith, afundado no sofá vermelho de sua sala (ahhh, eu conheço agora a sala de Keith Richards!!!), dedilhando economicamente os acordes no violão, conforme o cultivar de sua lenda pessoal permite. E... Charlie Watts! Charlie Watts é quem vai viralizar!
Charlie Watts não tem em casa a parafernália mastodôntica que compõe a sua bateria. Não, ele não tem. Mesmo assim, não se furtou de participar da live junto aos outros parceiros de banda, e mandou ver na sua bateria imaginária. Ninguém no planeta Terra possui melhores credenciais para tocar, ao vivo, para o mundo todo, uma bateria imaginária senão CHARLIE WATTS.
Sem medo, sem constrangimento, com a elegância e a fleuma e a competência de sempre, a bateria da canção foi magistralmente conduzida pelas baquetas, sim, de Charlie Watts. Pelas suas baquetas reais tocando uma bateria imaginária.
E que perfeição! Cada elemento da bateria tocado no momento certo, acompanhando o som do playback de seu instrumento, o único não executado ao vivo. Valeu. Obrigado, Lady Gaga, por ter me aparafusado no sofá de casa nesse histórico sábado inteiro, para poder presenciar isso! Para poder aprender que é preciso ser INTEIRO sempre. Mesmo sem a bateria, é preciso ser inteiro. SEMPRE. Obrigado, Charlie.
SENTE O SOM dos Stones e das baquetas aéreas de Charlie Watts no link