Caxias do Sul 21/11/2024

O circo protelado dos Rolling Stones

Projeto de show musical televisivo ficou engavetado durante quase três décadas, submergindo em uma aura de mistério
Produzido por Marcos Fernando Kirst, 14/04/2020 às 15:45:04
O circo protelado dos Rolling Stones
Foto: DIVULGAÇÃO

Por Marcos Fernando Kirst

As estrelas da festa eram os Rolling Stones, mas havia convidados especiais. Alguns deles, especialíssimos. Outros, na iminência de se tornarem muito especiais. No primeiro grupo, figuravam a cantora Marianne Faithfull, a banda The Who e o blueseiro nova-iorquino Taj Mahal. No segundo, a estrela ascendente no cenário pop underground londrino, a banda de rock esquisito Jethro Tull, recém formada e já capitaneada pelo carisma pernalta do flautista Ian Anderson.

No meio termo, um supergrupo fortuitamente formado única e exclusivamente para a ocasião, intitulado The Dirty Mac, com Eric Clapton (recém ex-Cream, que havia se dissolvido em novembro de 1968) na guitarra solo, John Lennon (dos Beatles) nos vocais e guitarra base, Keith Richards (dos Rolling Stones) excepcionalmente no baixo e Mitch Mitchell (da banda The Jimmy Hendrix Experience) na bateria. A banda executou a música “Yer Blue”, dos Beatles. Depois, atuou como banda de apoio para uma interpretação extraterrestre de Yoko Ono intitulada “Whole Lotta Yoko”.

Mas valia tudo naquele ano de 1968 na swinging London da efervescência cultural que estimulava e permitia as manifestações artísticas quebrando tabus e derrubando conceitos, ampliando horizontes culturais. Era dezembro, e os Rolling Stones haviam decidido marcar posição no cenário pop-rock inglês produzindo um supershow para ser transmitido pela televisão, intitulado “The Rolling Stones Rock and Roll Circus”.

A ideia era simples: os Stones eram os anfitriões de um circo onde a atração principal era o rock, recebendo os cantores e bandas já citados, conduzindo o enredo a um grand finale protagonizado pela banda, na época ainda formada pelos seus membros originais (Mick Jagger, Keith Richards, Brian Jones, Bill Wyman e Charlie Watts). Brian Jones, aliás, morreria apenas meio ano após esta performance, em 3 de julho de 1969, aos 27 anos, aparentemente afogado na piscina de sua mansão.

Afinal, a onda era produzir eventos marcantes e os Beatles, em 1967, vieram com seu álbum “Sargent Pepper´s Lonely Hearts Club Band”, em que a tônica era fingir que os Beatles se travestiam em uma outra banda, a tal Banda dos Corações Solitários do Sargento Pimenta, para pretensamente gravarem eles, e não os Beatles, as músicas do álbum. Em 1968, os mesmos Beatles surpreendiam a mídia, o mercado e o público lançando um álbum duplo (um dos primeiros da história do rock), que ficou conhecido como o “Álbum Branco”. A onda era a apoteose e o virtuosismo agregados à boa música, e os Stones vieram com a excelente ideia do circo do rock transmitido pela televisão, com um menu de atrações recheado de estrelas (brilhantes e ascendentes).

As performances foram gravadas nos dias 11 e 12 de dezembro de 1968, em um estúdio de televisão, e o resultado seria transmitido posteriormente pela rede BBC. Jethro Tull executou seu hoje clássico “A Song for Jeffrey”; The Who, com a banda completa (Pete Townshend, Roger Daltrey, Keith Moon e John Entwistle), tocou “A Quick One While He´s Away”. Taj Mahal arrebatou com a performance de “Ain´t That a Loto f Love”. A sublime Marianne Faithfull cantou “Something Better” e, enfim, entraram em cena os donos da festa, os Rolling Stones, para apresentar cinco números.

Os Stones elencaram um cardápio de peso: “Parachute Woman”, “No Expectations”, “You Can´t Always Get What You Want”, “Sympathy for the Devil” e “Salt of the Earth”. Tanto a banda quanto Mick estão no melhor de suas performances nessas apresentações históricas. E daí, a coisa mixou.

Mixou porque os membros dos Stones julgaram que a banda estava sem empolgação em suas performances, e decidiram protelar o lançamento do projeto, pretendendo trabalhar algumas coisas em estúdio. Daí, morreu o Brian Jones, e a coisa empacou mesmo. Empacou empacado. Os Beatles se separaram em 1970, a vida seguiu em frente, os Stones lançaram álbuns e mais álbuns de sucesso, o Jethro Tull ficou grande, Eric Clapton virou deus em sua carreira solo e o projeto ficou esquecido, ganhando aura de arquivado e misterioso.

Na verdade, revendo as performances, não dá para entender onde é que acharam que estava ruim. Mick, em “Sympathy for the Devil”, por exemplo, está definidor para todas as performances posteriores da música ao longo das décadas. Keith está soberano no ato de fazer falar a sua guitarra. Charlie faz, como sempre, a bateria comandar o andamento do show. Brian administra todos os instrumentos de apoio com concentração rara e Bill segue firme no ensimesmamento característico com que conduz suas marcantes linhas de baixo. Mas, enfim...

Isso até o ano de 1996, quando, enfim, Mick, Keith e Charlie perceberam que o material nem tão azeitadinho assim tinha valor e interessava loucamente ao público, como já havia sido provado com o Projeto Anthology, dos Beatles, lançado pouco antes, com sobras de estúdio, erros de gravação etc. Assim, “The Rolling Stones Rock and Roll Circus” veio, enfim, a público, fornecendo um recorte precioso do talento e da qualidade artística de artistas imorredouros. Agora, extraído dos baús secretos dos projetos abortados para o usufruto nosso em DVD, CD, youtube etc.

Sente o som dos Stones executando “Sympathy for The Devil”

https://www.youtube.com/watch?v=AQHqEpT9RJQ

Sente o som da superbanda “The Dirty Mac”

https://www.youtube.com/watch?v=JeFwaWFTGYU

Sente o som do The Who tocando “A Quick One While He´s Away”

https://www.youtube.com/watch?v=RJv2-_--EY4