Por Marília Frosi Galvão
“Abra suas asas, solte suas feras, caia na gandaia, entre nessa festa...”. Leu cantando!? Oh, yessss!! “E leve com você-êêêê, seu sonho mais lou-ouououou louco, eu quero ver esse corpo, lindo, leve e solto...”
Ah, para quem era jovem na década de 70... impossível não sentir saudades dos embalos na noite caxiense, do pipocar das danceterias, disco music – new wave – house music, “los ritmos de la noche“, dos figurinos caprichados, inspirados pela novela “Dancing Days“ com a Sonia Braga e pelo fenômeno mundial – John Travolta – “Nos embalos de sábado à noite.” Década tão marcante, liberdades, cenário tão dançante, transgressor, polêmico, vibrante.
Acho o máximo ter vivido também a sequência deste frenesi nos anos 80 e 90. Acompanhei lugares, épocas e jeitos de ser – vivi o zeitgeist – o espírito de uma época em comportamentos, anseios, moda, música.
Sinto saudades do que foi bom. Revivo momentos, eventos. Memórias que me habitam, posto que a vida é movimento dentro e fora de nós. Somos mutantes. E, se a existência é solitária, compartilho esse convívio com meus caros leitores em texto cinestésico – uma combinação de sentidos – uma mistura de sensações – tato, audição, olfato, paladar, visão e outros mais.
Baila comigo?
***
“Princesa de Clèves“ !!!! Assim boquiabriu-se minha irmã Nena. Assim ficou marcado em mim aquele dia, ou melhor, aquela noite. Nem tanto pelo que ocorreria depois, mas sim, pela sensação/emoção de me sentir como uma princesa, plena de expectativas e ilusões dentro de um vestido curtíssimo, xadrez em vermelho e preto, mangas longas e punhos em renda preta, a cobrir parte das mãos. Uma gola de renda preta, alta, arrematada por um laço de veludo.
Havia anoitecido há pouco. As primeiras estrelas brilhavam no céu. E faltou luz. Luz elétrica. À luz de velas, fiz a maquiagem com delineador e cílios postiços, glitter e gloss – brilhos - o puro glamour. Os cabelos castanhos e ondulados, eu os dividi em dois bandós. Não calcei as meias de lurex, apenas as sandálias de salto alto.
***
Um fetiche este néon azulado, visto daqui da Praça da Bandeira. Há mesas no jardim. Em meio a um burburinho de vozes e a efervescência das risadas (local de paqueras da jovem guarda), ouve-se a voz de Miguel Angelo Cornutti dando o tom da noite no palco. Na decoração rústica, com arcos de tijolos aparentes, as pinturas nas paredes em painéis feitas pelo artista – pintor uruguaio Mestre Sobrera. Salivamos pelas pizzas feitas por um pizzaiolo também uruguaio - inovação na gastronomia de então. Ah, sim, falo da Cave, no subsolo do Alfred Palace Hotel. Ponto de encontro de muitas pessoas, entre 1974 e 2003... A Cave ficou na história da noite caxiense.
***
Vem, tem mais,
Surpresa!! Ainda ali, pela portaria do Hotel, adentramos em um pub – isso mesmo – um pub “londrino” –, poltronas em couro vermelho com mesas em vidros de cristal, fotos de ídolos do cinema nas paredes, cadeiras giratórias em frente a um bar com luz interna repleto de bebidas para os drinks sofisticados. Tiffany´s. Tiffany’s. Tiffany’s.
Senta aí, ouve o som do piano que está ali no canto, em pequeno palco. Luciano Cesa e Lino Casagrande se revezam para musicar a noite. Se eles não estiverem, ainda assim será encantador. Que tal um som de jazz, ou blues, Frank Sinatra, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald ? - Ei, um “gim fizz”, please !!!
Clima de pub londrino no ambiente do Tiffany´s (Foto: José Afonso Braghirolli Galvão)
***
Maybe, or not,
a Princesa de Clèves e seu partner escolham subir por algumas escadas, ali mesmo, no interior do Alfred Palace para um romanticíssimo jantar no restaurante Donjon – com mesas cobertas de toalhas de brocado até o chão... taças de cristal... guardanapos de linho... cardápio bilíngue (português-francês)... chefs e cardápios internacionais... música ao vivo... trio de jazz... pista dançante... Toulouse-Lautrec nas paredes... Sofisticação e vanguarda nos anos 70, 80, 90 e 2000. “Símbolo de uma época em que a noite de Caxias do Sul alternava elegância e ousadia.”
***
Hoje, ser mutante que sou, como todos nós, mudei muito na aparência (mas não na essência). Ex-princesa de Clèves, cortei as madeixas. Os cabelos grisalhos curtíssimos. As roupas folgadas e saias longas, sapatilhas ou tênis ou coturnos, pouca maquiagem, e quanto aos cílios de sereia – (jamais). Algumas rugas, dura ou docemente conquistadas. Prazeres de paz – tipo – óculos na cara e a cara nos livros. E compartilhar lembranças. O que importa é o espírito, a alma, e a paixão por essas memórias que nascem do meu coração. Vagar entre esses embalos é uma experiência cinestésica. O som das músicas permanecem – tumtumtum – na minha cabeça. Meu coração (com prolapso) bate acelerado.
Antes que o sono chegue,
Proponho ao meu leitor retroceder (novamente) ao passado, para acalentarmos recordações que nos marcaram, de alguma forma, pois que somos singulares, nossas memórias afetivas são únicas. Completa a lista pessoal. Tenho consciência de que sempre esquecerei de algo. O tudo é abrangente ao infinito.
Chega mais perto, vamos dar palco às casas noturnas mais badaladas de Caxias do Sul – mesmo que a maioria já tenha saído de cena –, o nome do local, tão simplesmente, evocará emoções vividas... oxalá esse texto seja o meu Santo Graal –, despertar em meu leitor o que ele não sabe que sabe. Ou que esqueceu.
Quinta Estação (as quintas no Quinta com a Lucille Band) ## Incitatus (onde o Flávio não era amigo do rei, era o próprio rei) ## IT Club – ( ícone da cena clubber – DJ e empresário Julius Rigotto) ## Ópera Prima - (Bar e Restaurante – na descida da Visconde – Pio X) ## Amadeus ## Arcadian ## Fórum ## Mosteiro ## Havana Café ## Agitos de Rocha Neto – (botava som nos clubes – Juvenil e Juventude) ## Chardonnay (A rainha da noite) ## Villareggio (No hotel Bela Vista – em Ana Rech – “Permitido somente entrada de casais) ## Trattoria di Venezia ## Underground ## Café Society...
O Quinta Estação embalava a dança nas noites caxienses (Foto: José Afonso Braghirolli Galvão)
E há tanto mais... há tantos outros ícones não citados da geografia da noite, e também do dia – restaurantes – bares – boates – shows – sim, há muito mais.
Só para provocar, me digo cria de Caxias, sou “raiz” como brinca o jornalista Rodrigo Lopes, em suas colunas sobre a história de nossa cidade, já ouviu falar do Happy Sunday (domingos à tarde) no Incitatus? Boliche Caxias, Ambassador, Calabouço? La Cage? Pasargadas Private Club? Ah, são outras histórias, ...
Let´s dance !!!
P.S.
A inspiração – leitura de dois livros da obra “Minha luta“ – do escritor norueguês Karl Ove Knausgard – “A morte do pai” (volume 1) e “A descoberta da escrita” (volume 5) – pela qual aprendi e me propus a obedecer às exigências das memórias e a permitir que as emoções conduzissem minhas lembranças.
Um agradecimento – Jamais terei palavras suficientes para agradecer a acolhida neste site pelos jornalistas/amigos/queridos/incríveis/visionários Silvana Toazza e Marcos Fernando Kirst, a qual me possibilita identificar minhas lembranças de momentos de luz e alegrias como um esforço de autoconhecimento e revisão de vida.
Marilia Frosi Galvão é professora, escritora e cronista
(Crédito da foto: Claudia Haupt)
Da mesma autora, leia outro texto AQUI