POR SILVANA TOAZZA
No princípio, era a agricultura. Depois, veio a vinícola. Em seguida, com a reformatação da empresa, em 2004, nasceu o foco em gastronomia, com café colonial e restaurante.
Mas foi em 2009 que a Don Claudino rumou ao encontro daquilo que definiu como sua verdadeira vocação: o filão de eventos. Dessa forma, a Don Claudino Casa de Eventos, instalada no bairro Nossa Senhora da Saúde, em Caxias do Sul, passou a ser moldura e protagonizar encontros sociais e empresariais.
Porém, a vida é imprevisível. Chegou a Covid-19, e congelou totalmente a possibilidade de eventos. O dilema foi inevitável: o que fazer para manter a família com emprego, a empresa ativa e não precisar demitir?
Gabriele Piccoli, 39 anos, ao lado da irmã e da mãe, passou noites sem dormir com interrogações na cabeça. Surge, então, a primeira ideia como uma brisa para refrescar o cenário de preocupações escaldantes. Foi, então, no início da pandemia, em 2020, que ganhava vida o armazém Don Claudino, braço da empresa com uma linha própria de congelados e outras guloseimas artesanais mirando o público que estava em casa.
A crise da Covid-19 se arrastou além das previsões, bandeira pós bandeira, e exigiu recentemente que mais novidades fossem implementadas para garantir a sustentabilidade do negócio. Nesse contexto difícil, brota um nicho de mercado em forma de arte, delicadeza e bom gosto, com o projeto L' arte in Távola (Arte na Tábua), recheado com produtos artesanais. Trata-se de uma experiência gustativa voltada para a arte de bem presentear (ou encantar?).
L' arte in Távola (Arte na Tábua), recheada com produtos artesanais (foto:Everson Almeida)
Novamente, uma reinvenção, denotando que o cenário exige respostas rápidas a cada momento. E força e coragem.
A seguir, inspire-se com a entrevista exclusiva de Gabriele Piccoli, formada em Administração de Empresas com ênfase em Marketing, linha de frente da Don Claudino:
Conte um pouco da história da Don Claudino?
Nossa empresa existe há mais de 60 anos e sempre foi familiar. No início, trabalhavam com agricultura, sendo como principal produto a uva, em alguns anos expandiram e iniciaram os negócios como vinícola, a Granja Piccoli. Atendíamos muitos turistas e nós, crianças na época, estávamos sempre junto, ajudando e aprendendo. Porém, foi só em 2004, após a divisão da empresa entre os sócios, que iniciamos na área da gastronomia. No princípio, tínhamos apenas o café colonial e, em 2005, abrimos o restaurante Don Claudino. Durante alguns anos, nosso foco principal era a gastronomia internacional e, em 2009, após um estudo de posicionamento de marca, percebemos que nosso verdadeiro negócio eram os eventos. Foi, então, que passamos a investir e a estudar para estarmos cada vez mais preparados para atuar nesta área. Em paralelo a isso, também conseguimos fazer um grande trabalho para identificarmos nossa verdadeira essência, hoje muito clara para nós. Somos uma empresa familiar, que trabalha com produtos feitos de maneira artesanal. Cuidamos de cada detalhe, desde a escolha dos ingredientes até a entrega. Tudo pensado para que o cliente tenha a melhor experiência possível. É assim com todos os nossos produtos.
Como a pandemia impactou nos negócios?
A área de eventos foi, sem dúvida, umas das mais afetadas com essa pandemia. Infelizmente, só a palavra “evento” já acaba se tornando um problema neste momento. Por isso, fomos do mil ao zero. Iniciamos 2020 de uma maneira incrível, estávamos completando 15 anos de história e, sem dúvida, vivendo o nosso melhor momento em relação aos negócios. Marca consolidada, as pessoas confiando em nosso trabalho, equipe e fornecedores em sintonia e com a agenda cheia. E, quando chegou a pandemia, simplesmente foi necessário pausar tudo. Algumas das festas já foram remarcadas duas vezes, e é muito delicado tudo isso.
De que forma vocês se reinventaram?
Na verdade, neste ano de pandemia, não foi apenas uma ou duas vezes que nos reinventamos. A cada mudança de bandeira, percebemos uma mudança no perfil de consumo e nós sempre de olho para lançarmos algo que pudesse ser interessante para os nossos cliente. Nossa primeira ideia foi o armazém Don Claudino em casa, lá no início da pandemia, quando as pessoas mal saíam. Criamos uma linha bem dia a dia para ajudar os clientes que estavam em casa com a família, mas também continuavam trabalhando. Enfim, a ideia era facilitar o dia a dia dos nossos consumidores com produtos de qualidade e sabor, mas também surgiu a nossa linha de congelados. Foi um grande desafio, pois tivemos de desenvolver nossos produtos e fornecedores em meio a toda aquela loucura de "lockdown", mas conseguimos.
Houve um respiro nesse meio-tempo?
Com o tempo, as coisas foram acalmando, porém, as pessoas ainda não podiam sair de casa, mas já não aguentavam mais ficar sem celebrar, e começaram a comemorar com as suas famílias dentro de casa mesmo. Naquele momento, lançamos algumas experiências legais abrangendo desde gastronomia até bebidas e playlist, e assim as pessoas, mesmo que isoladas, começaram a festejar as pequenas coisas do dia a dia. Depois, aos poucos, puderam voltar a sair, com muitas regras, de maneira super restrita e até com um pouco de medo, mas já não aguentavam mais ficar em casa. Foi neste momento que lançamos a experiência das mesas no jardim e foi maravilhoso este projeto. As pessoas sentiam-se tranquilas da maneira que atendíamos e estávamos com uma ótima demanda, o que foi aos poucos nos oportunizando retornar com os pequenos eventos. E 2021 iniciou novamente de uma ótima maneira para nós, diversos pequenos almoços, jantares e todos muito felizes. Foi quando veio a bandeira preta e novamente o pânico. Alguns dias de muita reflexão e foi quando surgiu a ideia das tábuas. Na verdade, uma das coisas que sempre chama muito a atenção dos nossos clientes é a maneira com que apresentamos os produtos. Temos um grande cuidado para que tudo fique, além de gostoso, também muito lindo.
Como surgiu a ideia da Arte na Tábua?
Um determinado dia foi nos solicitado para criar um presente para um homem. Geralmente, presenteavam sempre com uma bebida, mas, desta vez, a pessoa queria algo diferente. Foi assim que surgiu nossa primeira távola, pela necessidade. Aquilo abriu muito a nossa mente e percebemos uma demanda interessante nessa parte de presentes. Afinal, antes, quando alguém estava de aniversário, acabava saindo para jantar, mesmo que com a família, e hoje isso já não é tão comum. Então, por que não uma experiência gastronômica em forma de presente?
Quem cria essas artes nas tábuas?
A parte artística é obra da minha mãe, a Neiva Piccoli, mas todos contribuem, pois cada produto tem o seu responsável aqui na empresa. A verdade é que vamos criando juntas.
Diversificar as atividades é um caminho para não demitir?
Sim, a melhor alternativa que vejo neste cenário. Sempre fomos muito focadas, porém, neste momento, é necessário essa gama de produtos. Assim, conseguimos ter demanda sempre. Vai meio na contramão do que aprendemos nos últimos anos. Mas é o que está conseguindo nos manter.
Como enxerga a retomada do setor gastronômico, de eventos e turismo?
Tenho certeza de que, a partir do momento em que for possível voltarmos a trabalhar, teremos a procura por parte dos clientes. Na verdade, a procura nunca parou, apenas não podemos atender, o que é uma grande pena. Mas é essa certeza que nos incentiva a manter a estrutura da casa em dia, manter a nossa equipe.
O segmento de vocês foi um dos mais afetados pela crise da Covid-19. Pensaram em algum momento em desistir?
Sim, muitas vezes. Quem sabe teria sido a decisão mais óbvia, quem sabe mais segura. Muitas vezes até nós mesmas nos consideramos um pouco malucas, mas acho que temos alguns fatores que nos fizeram não desistir até hoje. Somos uma família e não falo só de sangue: nossa empresa é uma família e um fortalece o outro sempre que parece que tudo vai desmoronar. O respeito pelos nossos clientes e parceiros, temos contratos fechados e essas pessoas confiam em nós e sabem que, assim que possível, suas festas serão realizadas com a mesma qualidade de quando foram contratadas. E a fé, temos muita esperança de que os dias melhores sempre chegam.
Como gerir uma empresa familiar para que seja ao mesmo tempo profissionalizada?
Foi sempre um grande desafio e, nessa parte, meu pai (já falecido) tem um papel fundamental. Não assumimos os negócios simplesmente por obrigação ou por ser da família. Antes de podermos trabalhar aqui, ele nos fez passar por outras experiências de trabalho. Só nos deixou fazer parte da equipe quando percebeu que estávamos "prontos". Por isso, nunca enxergamos a empresa como uma forma de ganhar dinheiro sem esforço, pelo contrário: sempre nos puxamos muito para merecermos o que eles lutaram para conseguir. Outra coisa importante é que nunca perdemos as oportunidades que surgiram de nos aperfeiçoarmos, nunca paramos de estudar e aqui faço um parênteses para o Sebrae e o projeto que eles têm junto à gastronomia na nossa região. Foram fundamentais nos últimos anos. Enfim, cada um tem um papel fundamental na empresa e a verdade é que nos completamos. Aceitamos o desafio de evoluirmos juntas, ninguém sendo melhor do que a outra.
Que conselhos daria a jovens empreendedores acuados pelo momento de incertezas?
Desistir pode ser, muitas vezes, a opção mais óbvia, talvez a mais segura. Mas nem sempre o lugar mais "seguro" é o melhor lugar para você. É preciso uma dose de risco e muita coragem para evoluir. Mas prepare-se para trabalhar muito e entenda que é necessário ter humildade de fazer o que for preciso a cada momento.
Qual o grande legado da pandemia?
A capacidade de adaptação, a história de fazer do limão uma limonada precisa ir além. Às vezes é necessário mais do que uma limonada, faça um bolo, um mousse... brincadeira à parte. Não sei se faz sentido para você, mas para nós esse é o significado de se reinventar. E também o momento em que percebemos a importância da liberdade de ir e vir, de poder trabalhar, de poder abraçar. Quanta falta isso nos faz!
2021, o ano... da esperança de que os dias melhores virão.
Delicadeza na concepção das tábuas com arte (foto:Everson Almeida)