A pandemia trouxe um grande desafio ao polo moveleiro da Serra Gaúcha, com a forte desorganização da cadeia produtiva, incluindo redução da produção, acentuada queda de estoques e comprometimento da matéria-prima. Para se ter uma ideia, entre março e maio de 2020, o setor viveu o pior baque de sua história.
O ápice da incerteza passou e 2021 já acena com uma intensa reação no varejo de móveis, o que, por tabela, entusiasma o Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis) a projetar um crescimento real de 4% nos negócios no ano. A entidade engloba também fabricantes de Monte Belo do Sul, Santa Tereza e Pinto Bandeira.
Porém, ainda há um dilema no horizonte: as vendas se recuperaram de modo mais rápido do que a produção de móveis, em um cenário com alta de preço dos insumos dolarizados, o que freia uma recuperação mais consolidada. Novos hábitos e valorização de ambientes domésticos e de home office impulsionaram a procura por móveis. Em síntese, há um descompasso entre oferta e demanda.
“Existem pedidos ainda parados em função da falta e alta nos preços de insumos e embalagens. Além disso, deverá haver recomposição dos estoques no comércio, atualmente em baixa”, salienta o presidente do Sindmóveis, Vinicius Benini.
A seguir, confira entrevista exclusiva à seção Conversa Afiada conferida pela liderança do setor e executivo da Móveis Pozza de 33 anos:
Como o setor de móveis enfrentou o duro ano de 2020 por conta da pandemia?
Vinicius Benini: Antes da pandemia, a projeção era de que o ano de 2020 seria de forte crescimento para o setor moveleiro. Foi um dos setores que mais sofreram com as instabilidades e crises econômicas dos últimos anos. A indústria moveleira já havia encerrado o ano de 2019 sem ter recuperado as perdas ocorridas em decorrência da crise brasileira iniciada no segundo semestre de 2014 até 2016. O auge da crise na indústria moveleira ocorreu em março e segundo trimestre. Esses meses concentraram as piores quedas no faturamento, produção e exportações para as indústrias. Foram os piores meses da história da indústria moveleira, que sofreu mais do que a média geral da indústria de transformação.
O que precisou ser feito para subverter o momento?
Em se tratando do papel da entidade nesse contexto, passado o primeiro impacto após o fechamento das indústrias e da própria entidade, o Sindmóveis voltou suas atenções a compreender as perdas que o setor poderia enfrentar e oferecer meios de apoiar o polo moveleiro na busca por alternativas para a manutenção dos negócios. Focamos em trabalhar pelo desenvolvimento do setor e buscar novos mercados para a indústria moveleira. A entidade fez isso apresentando oportunidades de negócios aos associados por meio de palestras e fóruns online cujo objetivo foi apresentar à indústria moveleira canais de vendas alternativos e formas de acesso a eles. Em sua maioria, essas oportunidades foram focadas no mercado global. Ao mesmo tempo, os consultores de inteligência e estratégia do Sindmóveis ficaram à disposição para o agendamento de assessorias individuais com associados. Foram cerca de 20 palestras e reuniões com apresentação de cases de sucesso e estratégias de inovação. Além dos inúmeros fóruns e webinares sobre oportunidades de negócios no mercado internacional e e-commerce, também foram realizados cursos rápidos sobre plataformas de informações de mercado gratuitas como ComexStat e Trademap.
A Movelsul foi adiada?
Sim, entendendo o cenário de profundas incertezas no âmbito de eventos e negócios, o Sindmóveis transferiu a 22ª edição da Movelsul Brasil para 2022. A feira estava originalmente datada para março de 2020 e havia sido primeiramente adiada para setembro de 2020. Às vésperas de sua realização, em março passado, a organização do evento, junto ao Poder Público Municipal, considerou arriscado o cenário de rápida contaminação entre viajantes ao mesmo tempo em que a Movelsul esperava um massivo público estrangeiro. Com 251 expositores, a Movelsul esperava um público de 30 mil visitantes profissionais vindos de 30 países. Com esse adiamento ocorrido três dias antes do início da feira, a estrutura da Movelsul permaneceu montada no Parque de Eventos de Bento Gonçalves à espera da edição anunciada para setembro. Entretanto, a pandemia não se mostrou em situação de recuo e, além da questão de saúde, o ambiente mostrava-se desfavorável à realização da feira em setembro de 2020. Com a nova decisão, a 22ª edição da Movelsul Brasil fica agendada para março de 2022, reunindo, em 30 mil metros quadrados, expositores dos segmentos de móveis de alta escala, decoração, planejados, mobiliário corporativo, tecnologias e serviços.
Houve fechamento de empresas e demissões no polo?
As indústrias evitaram ao máximo demitir, optando por diversas alternativas que possibilitaram frear o desemprego nos primeiros meses da crise, mas nos meses de abril e maio, pudemos acompanhar que lamentavelmente houve muitos fechamentos de postos. Foram notórias algumas demissões e também suspensão de contratos de acordo com a MP 927/20. Nos meses seguintes, o pior da crise foi ficando para trás. O terceiro trimestre colocou a indústria moveleira nos níveis de produção em empregos pré-pandemia e, a partir de outubro, conforme dados do Novo Caged, o polo moveleiro de Bento Gonçalves superou o saldo de postos de trabalho do início de 2020. O setor deve seguir criando empregos em 2021 devido às expectativas de aumento na produção.
Como enxerga 2021? Os fabricantes estão preparados para o crescimento?
O setor começa 2021 aquecido e com expectativa de continuidade nas contratações neste primeiro trimestre. Em termos de faturamento, o Sindmóveis projeta um crescimento real de 4% para o polo moveleiro de Bento Gonçalves em 2021. Em termos nominais (sem descontar-se o aumento dos custos, inflação do período, etc), está sendo projetado um crescimento de 9% no faturamento do polo moveleiro de Bento Gonçalves, que engloba também os municípios de Monte Belo do Sul, Santa Tereza e Pinto Bandeira. O otimismo do Sindmóveis é sustentado por fatores econômicos favoráveis, como a atividade econômica em trajetória de recuperação, assim como comércio e indústria em geral; a projeção de crescimento do PIB de 3,5% em 2021 e 2,5% em 2022; o nivelamento dos níveis de produção com a demanda de móveis. Lembramos que o grande crescimento das vendas em 2020 não foi acompanhado pela produção. Há muitos pedidos parados em função da falta de matéria-prima. Além disso, deverá haver recomposição de estoques e uma elevação na confiança do empresário, o que deve suscitar novas contratações.
A retomada já começou?
Sim. O terceiro trimestre de 2020 colocou a indústria moveleira nos níveis de produção em empregos pré-pandemia. As razões para tal recuperação passam pela gradual retomada das atividades após as medidas mais intensas de restrições à produção e circulação de pessoas, a demanda reprimida por móveis e sua rápida recuperação, novos hábitos que impulsionaram a procura por móveis, adaptação das indústrias moveleiras ao novo cenário e as medidas emergenciais do governo que auxiliaram na manutenção do consumo.
A falta de matéria-prima impacta no setor de que forma?
A pandemia causou uma forte desorganização da cadeia produtiva, com redução da produção, escala e forte queda de estoques. Embora o volume de vendas no varejo de móveis no Brasil tenha reagido fortemente nos últimos meses, a produção não conseguiu acompanhar essa evolução. As vendas se recuperaram de modo mais rápido do que a produção em um cenário de estoques em baixa e pela alta de preço dos insumos dolarizados, o que freia uma recuperação mais consolidada. Ou seja, há um descompasso entre oferta e demanda. A pandemia causou alta nos custos e empurrou todos os estoques para baixo. Hoje, o setor está sofrendo com a falta de insumos de produção e grande aumento nos seus preços em decorrência desse cenário, desde painéis de madeira até componentes, vidros, ferragens, embalagens de papelão e plástico.
Qual a força do polo moveleiro de Bento Gonçalves?
O polo moveleiro de Bento Gonçalves, por sua vez, é o principal do país. Atribuímos a liderança da Serra Gaúcha a um elevado desenvolvimento de tecnologia e inovação em nosso polo, o que coloca a nossa região como referência também no segmento de fornecedores da indústria moveleira. Nossa produção é considerada por especialistas como “flexível”. Ou seja, nosso polo consegue produzir móveis personalizados e, ao mesmo tempo, obter volume de produção (caso da indústria de planejados). Ao mesmo tempo, temos empresas capacitadas a produzir alta escala em pequenos lotes, o que também torna nossas indústrias capazes de atender demandas diferenciadas do varejo. Temos um parque fabril moderno, com equipamentos de controle numérico, conceito enxuto, processos organizados, e redução do desperdício – o conceito de processo lean. Uma produção com alto emprego tecnológico demanda menos pessoas. Contudo, a completude de nosso polo gera empregos em vários setores aderentes à cadeia de madeira e móveis.
Quais os planos da entidade para o ano? Alguma novidade a caminho?
Para o ano de 2021, o Sindmóveis prevê ampliar seu pacote de convênios e serviços para os associados e também oferecer novas capacitações para o mercado internacional. O setor tem boas perspectivas para 2021 e a expectativa do Sindmóveis é um crescimento de 4% em termos reais no cenário base. Em termos nominais (sem descontar-se o aumento dos custos, inflação do período, etc), está sendo projetado um crescimento de 9% no faturamento do polo moveleiro de Bento Gonçalves, que engloba também os municípios de Monte Belo do Sul, Santa Tereza e Pinto Bandeira.
Que lições ficam de 2020?
A pandemia deixa para o setor moveleiro o aprendizado de que o status quo pode mudar abruptamente. Fica claro que as empresas mais preparadas tomaram frente nesse mercado que pede um dinamismo muito grande no atendimento, gestão de produção e entregas. As buscas online do consumidor revelaram demandas que esperávamos para um futuro mais além, mas ninguém contava com uma pandemia dessas proporções e cá estamos. O mundo mudou. O novo cenário para o setor moveleiro pós-pandemia traz oportunidades que estão sendo bem encaradas. Em primeiro lugar, o e-commerce é um caminho sem volta e sem dúvidas a pandemia acelerou esse canal. As empresas que ainda não estão inseridas sabem que estão deixando para outras uma fatia de mercado importante.
Que dicas daria a empresários hoje acuados pelo cenário de incertezas?
Estrategicamente, é crucial que as empresas se aproximem das entidades que as representam. O Sindmóveis, por exemplo, é uma entidade que vem trabalhando solidamente nos últimos 43 anos em prol do setor moveleiro e certamente teve uma contribuição ímpar para a consolidação de nosso polo. Mais do que nunca, é preciso que as pessoas se proponham a contribuir coletivamente para alcançarmos um melhor entendimento do período pós-pandemia. Não vejo como nenhuma de nossas empresas possa crescer isoladamente, sem que tenhamos um ambiente propício a toda indústria moveleira e um polo competitivo no mercado. O mesmo vale para outros segmentos.