Por MARCOS FERNANDO KIRST
“Shazan, Xerife & Cia” foi um dos primeiros programas televisivos que acompanhei em minha infância, lá no início da década de 1970, quando eu transitava novinho em folha pela vida, indo dos seis aos oito anos. O programa começou a ser exibido na Rede Globo em 1972, porém, à noite (21h) e, naqueles tempos do milênio passado, criança ia para a cama cedo. O sinal era a novela das oito, que, na época, começava exatamente às 20h, indicando que a criançada deveria ia dormir e os pais, enfim, podiam ficar a sós a partir daquele momento.
Em 1973, “Shazan, Xerife & Cia” entrou para meu repertório televisivo, pois passou a ser exibido às 18h, o que transformava o fim de tarde em um ritual para mim. Feitas as lições de casa, os joelhos esfolados pelos tombos de bicicleta e por passar horas ajoelhado defronte à minha cama, desenhando histórias em quadrinhos, parava tudo para fazer um copão de Toddy e um prato com “merendinhas”, que era como chamávamos os Lanches Mirabel.
Preparado o indispensável lanche, posicionava-me frente ao televisor Telefunken, preto e branco, claro. Ligava o botão e esperava cerca de um minuto até que a válvula interna aquecesse e a imagem explodisse na tela (a partir daí, a torcida para que a repetidora do sinal não saísse do ar e a imagem não enlouquecesse correndo na vertical ou na horizontal).
Em tudo dando certo, mergulhava nas aventuras malucas, bem tramadas e hilariantes protagonizadas pela dupla de personagens principais, interpretados por Paulo José (Shazan) e Flávio Migliaccio (Xerife). A bordo de sua “camicleta” (híbrido de caminhão e bicicleta), a dupla de mecânicos amalucados saía em viagem por todo o país em busca de um objeto mágico que lhes permitiria construir uma bicicleta voadora. Com esse mote, passam a vivenciar as mais amalucadas aventuras.
A dupla Shazan (Paulo José) e Xerife (Flávio Migliaccio)
Os personagens haviam surgido originalmente como integrantes secundários da trama da novela “O Primeiro Amor”, de Walter Negrão, exibida na Globo em 1972. Fizeram tanto sucesso junto ao público que ganharam seriado próprio, produzido de 1972 até 1974. Entre nós, crianças, faziam sucesso mesmo, a ponto de eu e meu primo, Guilherme, às vezes interpretarmos os personagens no pré-primário e nos primeiros anos do colégio, para os colegas, na hora do recreio (também fazíamos “O Gordo e o Magro”, e não consigo imaginar quem de nós, esqueléticos empinados em cima de gambitos, interpretava o Gordo). No que tange a Shazan e Xerife, disputávamos, isso sim, a primazia de interpretarmos Xerife, o personagem de Flávio Migliaccio, o mais carismático, atrapalhado e divertido da dupla. Solucionamos o problema fazendo revezamento de papéis.
Fantasias divertidas e criativas, que ajudaram a moldar meu mundo infantil, que agora, passadas décadas, se vê obrigado a render homenagem a um dos atores que abrilhantavam meus finais de tarde em Ijuí: Flávio Migliaccio, encontrado morto em um sítio em Rio Bonito, interior do Rio de Janeiro, na manhã desta segunda-feira, 4 de maio. O ator estava com 85 anos, tendo nascido em São Paulo, em 26 de agosto de 1934.
Construiu uma longa carreira na televisão brasileira, no cinema e no teatro, tendo começado ainda em 1954 no famoso Teatro de Arena, de São Paulo. Estreou na rede Globo em 1972, justamente no papel de "Xerife“. Estava em cena até o ano passado, quando interpretou o personagem Mamede Al Aud, na novela “Órfãos da Terra”.
Era irmão da atriz Dirce Migliaccio (1933 – 2009), que se notabilizou por interpretar a primeira boneca “Emília”, na primeira temporada do seriado infanto-juvenil “Sítio do Picapau Amarelo”, da Rede Globo, em 1977, e também pelo papel de Judiceia Cajazeira, uma das inesquecíveis “Irmãs Cajazeiras”, da novela “O Bem-Amado” (1973), de Dias Gomes.
Dirce Migliaccio no papel de "Emília"
Para recordar, assista a um trecho do seriado aqui: Shazan e Xerife