POR SILVANA TOAZZA
Mercado Público, Museu do Trabalho, Vila Gastronômica, área cultural, economia criativa, espaços de inovação... Tudo cabe dentro de 53 mil metros quadrados em 19 pavilhões. O potencial é gigantesco, na mesma dimensão em que o desafio.
A revitalização do complexo da antiga Metalúrgica Abramo Eberle SA (MAESA), uma das maiores e mais importante indústrias de Caxias do Sul do século XX, domina o debate público em Caxias do Sul pela oportunidade singular de revitalizar o centro da cidade, fazendo a conexão entre o apogeu industrial e o futuro turístico da maior cidade da Serra Gaúcha.
Nesta reportagem especial, o portal de notícias apresenta imagens, muitas inéditas, do mapeamento do potencial e diretrizes de ocupação desse megapatrimônio, assinado pela equipe da Vazquez Arquitetos, de Caxias do Sul, comandada pelo arquiteto Matias Revello Vazquez.
As imagens são meras simulações, mas nos permitem aguçar a imaginação para um novo mundo que pode ser descortinado no centro de Caxias do Sul. Ao longo do texto, você passeia por algumas perspectivas visuais que nos fazem circular por uma Caxias do Sul do futuro. Para que esse sonho ("joia rara", nas palavras de Aline Zilli, secretária municipal da Cultura) saia do papel, contudo, sincronia entre poder público e iniciativa privada, com leis bastante claras, são cruciais, com vistas a garantir confiança ao projeto e aos investidores.
Lago integrado ao projeto, que prima pelo bem viver (Vazquez Arquitetos)
“Ocupar um conjunto arquitetônico de valor de memória é um ato de cultura em si. O complexo, que conta com praça e lago, precisa ser entendido como um conceito de "cidadela", mantendo vida em todos os espaços e horários, com a diversificação de atividades, num modelo já comum no Exterior”, entusiasma-se Matias.
Esse laudo inicial de restauro da MAESA, com regramentos para ocupar a estrutura, foi elaborado pela Vazquez Arquitetura no âmbito do Plano Geral de Ocupação, a partir de licitação pública, e configura-se em uma base, ou seja, um diagnóstico inicial, sobre o qual agora estrutura-se o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) do Executivo municipal, que habilitou dois consórcios para apresentar estudos de modelagem técnica, econômico-financeira e jurídica para os restauros e a ocupação desse patrimônio histórico tombado. Agora, os estudos serão amplos e complexos, abrangendo os pormenores e todas as facetas de viabilidade, trazendo segurança econômica, arquitetônica e jurídica para os investidores e licitantes futuros.
Revitalização do complexo fará uma conexão entre passado e futuro, com áreas de integração e vários acessos (Imagem: Vazquez Arquitetos)
Os grupos, um deles integrado por Radar PPP, Vazquez Arquitetos, Cescon Barrieu, Vanin Advogados e Japur Advogados e outro por SPIN Soluções Públicas Inteligentes e Rodrigues Antunes Advogados Associados, têm até dezembro deste ano para a entrega dos estudos detalhados para possível debate com as alas públicas e da sociedade com vistas à futura licitação do complexo e sua sustentabilidade econômica. A Radar PPP, por exemplo, tem a expertise de ter liderado o projeto de revitalização do Cais Mauá, em Porto Alegre (RS).
Ou seja, a prefeitura de Caxias do Sul, anteriormente à publicação do PMI para a PPP do Complexo MAESA, contratou o escritório Vazquez Arquitetos para uma análise da estrutura e dos possíveis usos do complexo, resguardando os blocos históricos de intervenções mínimas. No entanto, as análises apontam que as alas oeste do complexo poderiam sofrer algumas alterações para viabilizar o investimento e trazer a conexão do antigo com uma estrutura com cara mais contemporânea.
A publicação do chamamento para a elaboração dos estudos de viabilidade da PPP de revitalização do Complexo MAESA vai ao encontro dos anseios da sociedade caxiense e tem o apoio das entidades econômicas da cidade.
Mercado Público, priorizando a agricultura familiar, é um dos eixos do projeto (Vazquez Arquitetos)
Baseado nos estudos apresentados, o plano assinado pela Vazquez simula usos possíveis para cada bloco, uma vez que são necessários cálculos específicos para validar os parâmetros de diretrizes de infraestrutura e regramento para novas construções. Um dos critérios utilizados foi a diversidade de usos, buscando equilibrar vocações cotidianas e turísticas para que o conjunto se integre ao tecido urbano e não se torne apenas uma ilha, ao mesclar cultura, lazer, comércio e serviços, sugerindo diferenciais como o Mercado Público.
Bruno Pereira, cofundador da Radar PPP, salienta que no momento o consórcio está em fase de elaboração de estudos, firmando parcerias, buscando investidores e embasando possíveis caminhos, a serem arbitrados futuramente pelo Executivo municipal.
O Mercado Público, um dos grandes anseios da comunidade, na sua visão, terá de resgatar o princípio de vocação agrícola, priorizando a agricultura familiar e oportunizando que Caxias do Sul, a maior produtora de hortifrutigranjeiros do RS, tenha um espaço para oferecer a produção de qualidade, respeitando a sazonalidade e as técnicas orgânicas e sustentáveis. São cerca de 3,5 mil famílias que hoje vivem da produção de alimentos na cidade.
“O Mercado Familiar, como estou chamando, é uma oportunidade para que os caxienses da área urbana prestem seu tributo às famílias que seguem no campo, estabelecendo pontes para que as grandes potências associadas ao turismo rural sejam destravadas”, salienta Pereira.
Os pioneiros, precursores da indústria caxiense, serão homenageados no Museu do Trabalho (Vazquez Arquitetos)
Outro diferencial proposto no Plano Geral de Ocupação seria o Museu do Trabalho, prestando um tributo aos grandes empresários que transformaram a Caxias do Sul colonial na Caxias do Sul desenvolvida, resgatando técnicas de trabalho e a evolução industrial e do maquinário. Nas imagens simulativas, aparecem como pioneiros nomes como Abramo Eberle (Metalúrgica Abramo Eberle), Paulo Bellini (Marcopolo) e Raul Randon (Empresas Randon).
Um dos pontos altos também serão os maquinários industriais dos anos 1940 que já pertenceram à Metalúrgica Abramo Eberle, foram utilizados pela inquilina Voges e hoje, a partir de uma bandeira encabeçada pela então secretária municipal da Cultura, Rubia Frizzo (gestão 2013-2016), estão resguardados de terem virado sucata em leilão e serão expostos na revitalização da MAESA. Rubia atuou como coordenadora da Comissão Especial para Análise de Uso e Gestão da MAESA, lutando pelo tombamento do patrimônio histórico, que, "somente, não assegura a preservação do patrimônio."
"Importante ressaltar a urgência da implantação do projeto de ocupação, porque abandono é sempre sinônimo de destruição", destacou em seu livro "MAESA - Poema Histórico", lançado em 2019.
No projeto da Vazquez, constam também o Memorial aos Trabalhadores (mutilados em acidentes e com perda de vida), Acervo de Memórias, Espaço Interativo Museógrafo, Salas de Exposições, Salas Multiuso para Museus, café, livraria, loja de recordações (presentes relacionados ao museu), restaurantes e órgãos da administração pública (nesse último caso, uma estratégia que traria vida e movimento para os espaços).
De um lado, área de lazer, com praça coberta, restaurantes e lojas; do outro, o Museu do Trabalho (Vazquez Arquitetos)
A MAESA restaurada também prevê espaços como Centro Cultural, lojas, área gastronômica e de lazer, Centro de Economia Criativa, Espaços de Inovação, entre outros.
Nesse quesito cultural, parte do acervo de obras de arte do empresário e colecionador José Antonio Fernandes Martins e de sua esposa, Hieldis Severo Martins, poderá compor uma exposição permanente e exclusiva na futura restauração e licitação do patrimônio histórico da Metalúrgica Abramo Eberle SA (MAESA). Leia matéria AQUI.
A sala ou galeria levaria o nome do executivo de 89 anos, hoje acionista minoritário da Marcopolo, mas que dedicou boa parte da vida a lutar não só pela fabricante de ônibus - na qual foi o primeiro engenheiro mecânico -, mas pelo setor de mobilidade e transporte do país.
O convite para integrar o projeto partiu da Radar PPP, consultoria com escritórios em São Paulo e Minas Gerais que lidera um dos consórcios habilitados a oferecer ao Executivo municipal estudo de modelagem e ocupação da MAESA, no âmbito de futura concorrência pública de Parceria Público-Privada (PPP). Um acordo de cooperação entre a família Martins e a Radar PPP já foi formalizado no âmbito de estudos, o que coincide com a vocação cultural do patrimônio histórico, e integrará indicativo ao Executivo Municipal.
Praça cívica com área de lazer e mirante com vista para o lago (Vazquez Arquitetos)
"Um projeto? Não, uma causa"
Matias Revello Vazquez define que esse não é apenas um projeto, mas uma causa, um propósito, de uma família de arquitetos (seu avô, pais e esposa são arquitetos também).
“É a oportunidade que Abramo Eberle está nos dando novamente. Primeiramente, foi com a Revolução Industrial; agora, ajustando o nosso leme rumo a um futuro conectado e turístico, com a diversificação da matriz energética caxiense. Cidades que ficam na mão de apenas uma matriz econômica, correm risco. O passado nos aponta para isso”, destaca.
Áreas abertas e de convivência integram projeto (Vazquez Arquitetos)
CIDADE DENTRO DA CIDADE
O prazo final para a entrega dessas análises amplas é 12 de dezembro deste ano. De posse desses estudos, a prefeitura vai analisar e submeter à apreciação pública o que melhor se encaixa para a futura concorrência pública de Parceria Público-Privada (PPP). A modelagem inclui diagnóstico e estudo de demanda, projetos de engenharia e arquitetura, operação, modelagem econômico-financeira e modelagem jurídica.
"Temos um grupo para acompanhar as etapas e a comunicação também será feita para a comunidade conforme formos recebendo partes do trabalho", frisa a secretária municipal da Cultura, Aline Zilli.
Áreas de lojas, Economia Criativa e espaços de inovação integram plano inicial (Vazquez Arquitetos)
A saber: a Metalúrgica Abramo Eberle, cujo primeiro prédio foi inaugurado em 1948, concentrava os trabalhos de mecânica, fundição, forja e produção de talheres. Ali foram realizados os trabalhos de fundição das portas da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, de Belém do Pará, e das estátuas de bronze do Monumento Nacional ao Imigrante (1953-1954), inaugurado pelo então presidente da República Getúlio Vargas e hoje símbolo oficial de Caxias do Sul.
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Assista ao documentário, assinado pela Vazquez Arquitetos: