Caxias do Sul 03/12/2024

Ir à praia

Na estreia do site, homenageamos um dos mestres da crônica que exerceu o gênero com excelência ímpar em Caxias do Sul: Jimmy Rodrigues
Produzido por redação, 13/03/2020 às 09:34:16
Ir à praia
Foto: Divulgação

Pois é isso, compadre: penso que se pode traçar um roteiro das peripécias a que se submete a inefável classe média para usufruir de alguns dias de “descanso” na praia.

Lá por fins de novembro ou início de dezembro, se você possui casa no litoral, vai até lá ver se falta alguma coisa, trocar vidros quebrados, consertar o fogão, aparar a grama. Se não tem casa, busca alugar uma, todas custando preços escorchantes. Mas como é costume ir à praia no verão, para os vizinhos, amigos e conhecidos não pensarem que você está numa pior que não pode nem ir à praia, paga e não bufa, adiantando, um ou dois meses antes, metade do aluguel.

Na volta, prosseguem os preparativos (e as despesas): biquínis, maiôs, calções, saídas de banho, chapéus, chinelos, tênis, bronzeadores, cremes, pomadas, filtros, uma bateria de caros produtos para defendê-lo daquilo de que você vai em busca: o sol. Não esquecer de revisar o carro, encher o tanque, ver se está tudo em dia: extintor, triângulo, chave de roda, pneu sobressalente, documentos.

Nas vésperas da partida, fazer o rancho para economizar alguns trocados que, depois, você queimará em dobro, ou triplo ou mais em caipirinha e cerveja. Tudo providenciado, na véspera da partida você não consegue dormir, com receio de não acordar de madrugada para carregar os badulaques. E haja paciência e criatividade para encontrar lugar para as malas, as sacolas, a roupa de cama, as caixas com o rancho, a rede, os garrafões de vinho (depois verificará que os preços aqui e lá são idênticos), as pranchas das crianças, o televisor, a bicicleta e tudo o mais que a sua cabeça, e as da mulher e dos filhos, possam imaginar como “indispensável” para o veraneio. Após quase duas horas de trabalho, lá vai você, estrada afora, torcendo para que não tenha esquecido nada.

Correndo bem a viagem – embora os sustos inevitáveis da imprudência e da barbeiragem comuns às estradas brasileiras, você chega. Aí a bagagem já foi aumentada com umas duas melancias, cebolinha, abacaxis, rapaduras e garrafas de “cachaça da boa”, adquiridos nas tendas que margeiam a rodovia.

Congratulando-se por encontrar bom tempo, com calor de mais de 30 graus, você vai à imobiliária, espera a sua vez de ser atendido, o pessoal buzinando lá fora para que você se apresse, todos querendo ir logo para o mar, paga os restantes 50% do aluguel (quantia que você não chega a ganhar num mês inteiro de trabalho), paga mais 10% do valor como caução, assina um contrato, recebe um rol dos móveis e utensílios existentes na casa que, segundo a ótica e a opinião do locatário, está sempre “em perfeitas condições”.

Uma hora depois, ei-lo descarregando a bagagem ¬ meu Deus do céu, como é que coube tanta coisa nesse pobre carro? Instala-se, verifica que o chuveiro do banheiro está defeituoso, que o bujão de gás está totalmente vazio, que tem um ninho de baratas na pia, que a lâmpada do quarto é muito fraca, não vai ser possível ler antes de dormir. Quando termina de instalar-se, a tarde vai em meio e o céu está nublado, praia só amanhã.

Dia seguinte, com picadas de mosquitos em todo o corpo, dolorido de carregar e descarregar bugigangas e do colchão muito fino, vai ao supermercado comprar leite e pão. Lá chegado, fica sabendo que não tem leite, nem inseticida contra os mosquitos, nem contra baratas, e tem de entrar numa imensa fila para comprar o pão. No caixa, constata que as moças cobram insignificantes centavos, mas esquecem silenciosa e olimpicamente de dá-los de troco. Mas você está na praia e consola-se com o verso de Fernando Pessoa: “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.