Por MARCOS FERNANDO KIRST
O fato passou meio que despercebido, meio que em branco, como quase tudo neste país sem memória, especialmente no que tange ao meio artístico/cultural que está fora dos apelos da grande mídia popular. Em se tratando de literatura, então...
O fato é que o Brasil perdeu, no último sábado, 1º de maio, uma de suas mais exponenciais escritoras dedicadas ao público infanto-juvenil, essa fatia tão importante da população brasileira, composta por aquelas pessoas que estão sendo formatadas como os futuros cidadãos que farão o perfil do país logo ali adiante, passados mais uns céleres aninhos. Edy Lima, escritora, gaúcha nascida em Bagé, “ídala” da gurizada que se encantava com o mundo da leitura lá em meados da década de 1970 (como este jornalista de cãs que ora escreve), morreu aos 96 anos de idade em São Paulo, onde morava já havia uma vida.
O fato é que ela deixa uma vasta obra de altíssima qualidade como legado para gerações e gerações ainda vindouras de jovens leitores e também para velhos leitores saudosistas, como este aqui, que jamais esquece o primeiro livro que leu dela, ainda em 1975, quando tinha nove anos de idade, “A Vaca Voadora”. Encantado fiquei com as aventuras da dócil vaquinha que, sim, voava, para assombro e diversão da turma composta pela Tia Quiquinha, Tia Maricotinha, Lalau, Gumercindo...
Clássico da literatura infanto-juvenil brasileira
O fato é que lembro de ter sido capturado já nas primeiras linhas do primeiro capítulo, intitulado “A Chegada da Vaca”:
- Tia, um sujeito entrou no jardim com uma vaca em cima da capota do carro – gritei para dentro de casa.
O fato me pareceu meio estranho, porque nossa vida é sempre muito tranquila. Só acontecem pequenas coisas. Ontem, por exemplo, estourou o forno do fogão.
O fato é que, depois dessa primeira encantadora experiência de leitura, vieram e foram avidamente consumidos “A Vaca na Selva”, “A Vaca Deslumbrada”, “A Vaca Proibida”, “A Vaca Submarina”, “A Vaca Invisível”, “A Vaca Misteriosa”... todos devorados por mim e minha irmã, na maioria das vezes lendo em conjunto com nossa mãe, em momentos familiares de alta diversão em grupo, quando nem se imaginava infâncias mergulhadas dentro de traquitanas tecnológicas e links para vídeos de youtube.
O fato é que ela também escreveu para gente grande, como a hoje já clássica comédia de costumes “A Farsa da Esposa Perfeita” (1976), peça teatral levada aos palcos caxienses inclusive pela Companhia Teatral Tem Gente Teatrando, da atriz Zica Stockmans, nos anos de 2004 e 2008. No total, Edy Lima lançou quase 50 obras ao longo da longeva carreira.
"A Farsa da Esposa Perfeita" foi encenada pela companhia caxiense Tem Gente Teatrando
Mas o fato mesmo é que, como homenagem pessoal, merece uma releitura. Meu exemplar de “A Vaca Voadora”, adquirido com minha mesada 46 anos atrás, ainda está bem conservado e cumprirá bem a demanda... Obrigado, Edy, pelos sonhos compartilhados!
Antigo exemplar ainda em condições de fornecer prazer de leitura